VIII. O sono antropológico

VIII. O sono antropológico

A antropologia como analítica do homem teve indubitavelmente um papel constituinte no pensamento moderno, pois que em grande parte ainda não nos desprendemos dela. 

Ela se tornara necessária a partir do momento em que a representação perdera o poder de determinar, por si só e num movimento único, 

  • o jogo de suas sínteses 
  • e de suas análises. 

Era preciso que as sínteses empíricas fossem asseguradas em qualquer outro lugar que não na soberania do “Eu penso”. 

Deviam ser requeridas onde precisamente essa soberania encontra seu limite, isto é, na finitude do homem – finitude que é tanto a da consciência quanto a do indivíduo que vive, fala, trabalha. 

Kant já formulara isso na Lógica quando acrescentara à sua trilogia tradicional uma última interrogação: as três questões críticas

  • (que posso eu saber?
  • que devo fazer?
  • que me é permitido esperar?)

acham- se então reportadas a uma quarta e postas, de certo modo, “à sua custa”:

  • Was ist der Mensch?

Essa questão, como se viu, percorre o pensamento desde o começo do século XIX: é ela que opera, furtiva e previamente, a confusão entre o empírico e o transcendental, cuja distinção, porém, Kant mostrara. 

Por ela, constituiu-se uma reflexão de nível misto que caracteriza a filosofia moderna. A preocupação que ela tem com o homem e que reivindica não só nos seus discursos como ainda no seu páthos, o cuidado com que tenta defini-lo como ser vivo, indivíduo que trabalha ou sujeito falante, só para as boas almas assinalam o tempo de um reino humano que finalmente retorna; trata-se, de fato – o que é mais prosaico e menos moral de uma reduplicação empírico-crítica pela qual se tenta fazer valer o homem da natureza, da permuta ou do discurso como o fundamento de sua própria finitude. 

Nessa Dobra, 

  • a função transcendental vem cobrir, com sua rede imperiosa, o espaço inerte e sombrio da empiricidade; 
  • inversamente, os conteúdos empíricos se animam, se refazem, erguem-se e são logo subsumidos num discurso que leva longe sua presunção transcendental. 

E eis que nessa Dobra a filosofia adormeceu num sono novo; 

  • não mais o do Dogmatismo, 
  • mas o da Antropologia. 

Todo conhecimento empírico, desde que concernente ao homem, vale como campo filosófico possível, em que se deve descobrir o fundamento do conhecimento, a definição de seus limites e, finalmente, a verdade de toda verdade. 

A configuração antropológica da filosofia moderna consiste em desdobrar o dogmatismo, reparti-lo em dois níveis diferentes que se apoiam um no outro e se limitam um pelo outro:

  • a análise pré-critica do que é o homem em sua essência
  • converte-se na analítica de tudo o que pode dar-se em geral à experiência do homem.

Para despertar o pensamento de tal sono

– tão profundo que ele o experimenta paradoxalmente como vigilância, de tal modo confunde a circularidade de um dogmatismo que se desdobra para encontrar em si mesmo seu próprio apoio com a agilidade e a inquietude de um pensamento radicalmente filosófico –

para chamá-lo às suas mais matinais possibilidades, não há outro meio senão destruir, até seus fundamentos, o “quadrilátero” antropológico. 

Sabe-se bem, em todo o caso, que todos os esforços para pensar de novo investem precisamente contra ele: 

  • seja porque se trate de atravessar o campo antropológico e, apartando-se dele a partir do que ele enuncia, reencontrar uma ontologia purificada ou um pensamento radical do ser; 
  • seja ainda porque, colocando fora de circuito, além do psicologismo e do historicismo, todas as formas concretas do preconceito antropológico, se tente reintegrar os limites do pensamento e reatar assim com o projeto de uma crítica geral da razão. 

Talvez se devesse ver o primeiro esforço desse desenraizamento da Antropologia ao qual, sem dúvida, está votado o pensamento contemporâneo, na experiência de Nietzsche:

  • através de uma crítica filológica, 
  • através de uma certa forma de biologismo, 

Nietzsche reencontrou o ponto onde o homem e Deus pertencem um ao outro, onde a morte do segundo é sinônimo do desaparecimento do primeiro, e onde a promessa do super-homem significa, primeiramente e antes de tudo, a iminência da morte do homem. 

Com isso, Nietzsche, propondo-nos esse futuro, ao mesmo tempo como termo e como tarefa, marca o limiar a partir do qual a filosofia contemporânea pode recomeçar a pensar; ele continuará sem dúvida, por muito tempo, a orientar seu curso. 

Se a descoberta do Retorno é, realmente, o fim da filosofia, então o fim do homem é o retorno do começo da filosofia. Em nossos dias não se pode mais pensar senão no vazio do homem desaparecido. Pois esse vazio não escava uma carência; não prescreve uma lacuna a ser preenchida. Não é mais nem menos que o desdobrar de um espaço onde, enfim, é de novo possível pensar.

A Antropologia constitui talvez a disposição fundamental que comandou e conduziu o pensamento filosófico desde Kant até nós. Disposição essencial, pois que faz parte de nossa história; mas em via de se dissociar sob nossos olhos, pois começamos a nela reconhecer, a nela denunciar de um modo crítico, a um tempo, o esquecimento da abertura que a tornou possível e o obstáculo tenaz que se opõe obstinadamente a um pensamento por vir. 

  • A todos os que pretendem ainda falar do homem, de seu reino ou de sua liberação, 
  • a todos os que formulam ainda questões sobre o que é o homem em sua essência, 
  • a todos os que pretendem partir dele para ter acesso à verdade, 
  • a todos os que, em contrapartida, reconduzem todo conhecimento às verdades do próprio homem, 
  • a todos os que não querem formalizar sem antropologizar, 
  • que não querem mitologizar sem desmistificar, 
  • que não querem pensar sem imediatamente pensar que é o homem quem pensa, 

a todas essas formas de reflexão canhestras e distorcidas, só se pode opor um riso filosófico – isto é, de certo modo, silencioso.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
capítulo IX – O homem e seus duplos;
tópico VIII. O sono antropológico.

VII. O discurso e o ser do homem

VII. O discurso e o ser do homem

Pode-se notar que estes quatro segmentos teóricos 

  • (análises da finitude, 
  • da repetição empírico-transcendental, 
  • do impensado 
  • e da origem) 

mantêm certa relação com os quatro domínios subordinados que, juntos, constituíam, na época clássica, a teoria geral da linguagem. Relação que é, à primeira vista, de semelhança e de simetria. 

Deve-se lembrar que 

  • a teoria do verbo explicava como a linguagem podia transbordar para fora de si mesma e afirmar o ser – isto, num movimento que assegurava, em troca, o ser mesmo da linguagem, pois que esta só podia instaurar-se e abrir seu espaço lá onde já houvesse, ao menos sob uma forma secreta, o verbo “ser”; 
  • a análise da finitude explica, do mesmo modo, como o ser do homem se acha determinado por positividades que lhe são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como, em troca, é o ser finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade positiva. 

Enquanto 

  • a teoria da articulação mostrava de que maneira se podia fazer, num só movimento, o recorte das palavras e das coisas que elas representam, 
  • a análise da reduplicação empírico-transcendental mostra como se correspondem, numa oscilação indefinida, o que é dado na experiência e o que torna a experiência possível. 
  • A procura das designações primeiras da linguagem fazia brotar, no coração mais silencioso das palavras, das sílabas, dos próprios sons, uma representação adormecida que formava como que sua alma esquecida (e que era preciso fazer vir à luz, fazer falar e cantar novamente, para uma justeza maior do pensamento, para um mais maravilhoso poder da poesia); 
  • é de um modo análogo que, para a reflexão moderna, a espessura inerte do impensado é sempre habitada, de certa maneira, por um cogito e que esse pensamento adormecido no que não é pensamento deve ser novamente animado e dirigido à soberania do “eu penso”. 

Enfim, havia na reflexão clássica sobre a linguagem uma teoria da derivação: 

  • ela mostrava como a linguagem, desde o início de sua história e talvez no instante de sua origem, no ponto mesmo em que ela se punha a falar, deslizava em seu próprio espaço, girava sobre si mesma, desviando-se de sua representação primeira, e só estabelecia suas palavras, mesmo as mais antigas, quando já desenroladas ao longo das figuras da retórica; 
  • a essa análise corresponde o esforço para pensar uma origem que já está sempre esquivada, para avançar nessa direção em que o ser do homem é sempre mantido em relação a si mesmo num afastamento e numa distância que o constituem.

Mas esse jogo de correspondências não deve iludir. 

Não se deve imaginar que a análise clássica do discurso se tenha prosseguido sem modificação através dos tempos, aplicando-se apenas a um novo objeto; que a força de algum peso histórico a tenha mantido em sua identidade, apesar de tantas mutações vizinhas.

 De fato, os quatro segmentos teóricos que desenhavam o espaço da gramática geral não se conservaram: dissociaram-se, mudaram de função e de nível, modificaram todo o seu domínio de validade quando, no final do século XVIII, a teoria da representação desapareceu. 

Durante a idade clássica, a gramática geral tinha por função mostrar como, no interior da cadeia sucessiva das representações, podia introduzir-se uma linguagem que, mesmo manifestando-se na linha simples e absolutamente tênue do discurso, 

  • supunha formas de simultaneidade (afirmação de existências e de coexistências; 
  • delimitação de coisas representadas e formação de generalidades; 
  • relação originária e indelével entre palavras e coisas; 
  • deslocamento de palavras em seu espaço retórico). 

Ao contrário, a análise do modo de ser do homem, tal como se desenvolveu desde o século XIX, não se aloja no interior de uma teoria da representação; sua tarefa é, muito pelo contrário,

  •  mostrar como é possível que as coisas em geral sejam dadas à representação, em que condições, sobre que solo, entre que limites elas podem aparecer numa positividade mais profunda do que os modos diversos da percepção; 
  • e o que então se descobre nessa coexistência do homem e das coisas, através do grande desdobramento espacial aberto pela representação, é a finitude radical do homem, a dispersão que, a um tempo, o afasta da origem e lha promete, a distância incontornável do tempo. 

A analítica do homem não retoma, tal como fora constituída alhures e como a tradição lha negou, a análise do discurso. 

A presença ou ausência de uma teoria da representação, mais exatamente, o caráter primeiro ou a posição derivada dessa teoria modifica inteiramente o equilíbrio do sistema. 

Enquanto a representação é evidente, como elemento geral do pensamento, a teoria do discurso vale, ao mesmo tempo e num só movimento, como fundamento de toda gramática possível e como teoria do conhecimento. 

Mas, desde que desaparece o primado da representação, então a teoria do discurso se dissocia, e pode-se-lhe reencontrar a forma desencamada e metamorfoseada em dois níveis. 

No nível empírico, os quatro segmentos constitutivos se reencontram, mas a função que exerciam é inteiramente invertida: 

  • a antiga análise do privilégio do verbo, do seu poder de fazer sair o discurso de si mesmo e de enraizá-lo no ser da representação, 
  • foi substituída pela análise de uma estrutura gramatical interna que é imanente a cada língua e a constitui como um ser autônomo, portanto voltado sobre si mesmo; 

do mesmo modo, 

  • a teoria das flexões, a procura das leis de mutação própria das palavras substituem 

  • a análise da articulação comum às palavras e às coisas; 
  • a teoria do radical substituiu 
  • a análise da raiz representativa; 
  • enfim, descobriu-se o parentesco lateral das línguas 
  • lá onde se buscava a continuidade sem fronteira das derivações. 

Em outros termos, 

  • tudo o que havia funcionado na dimensão da relação entre as coisas (tais como são representadas) e das palavras (com seu valor representativo) 
  • acha-se retomado no interior da linguagem e incumbido de assegurar-lhe a legalidade interna. 

No nível dos fundamentos, reencontram-se ainda os quatro segmentos da teoria do discurso: como na idade clássica, eles servem de fato, nessa analítica nova do ser humano, para manifestar a relação com as coisas; mas, desta feita, a modificação é inversa à precedente; não se trata mais de situá-los num espaço interior à linguagem, mas de liberá-los do domínio da representação, no interior do qual eram assumidos, e de fazê-los atuar nessa dimensão da exterioridade em que o homem aparece como finito, determinado, enredado na espessura daquilo que ele não pensa e submetido, no seu ser mesmo, à dispersão do tempo.

A análise clássica do discurso, a partir do momento em que não estava mais em continuidade com uma teoria da representação, achou-se como que fendida em duas: 

  • por um lado, ela investiu-se num conhecimento empírico das formas gramaticais; 
  • e, por outro, tornou-se uma analítica da finitude; 

mas nenhuma dessas duas translações pôde operar-se sem uma inversão total do funcionamento. 

Pode-se compreender agora, e até o fundo, a incompatibilidade que reina entre 

  • a existência do discurso clássico (apoiada na evidência não questionada da representação) 
  • e a existência do homem, tal como é dada ao pensamento moderno (e com a reflexão antropológica que ela autoriza): 

alguma coisa como uma analítica do modo de ser do homem só se tornou possível uma vez dissociada, transferida e invertida a análise do discurso representativo. 

Com isso adivinha-se também que ameaça faz pesar sobre o ser do homem assim definido e colocado o reaparecimento contemporâneo da linguagem no enigma de sua unidade e de seu ser. 

Será nossa tarefa no porvir a de avançarmos em direção a um modo de pensamento, desconhecido até o presente em nossa cultura, e que permitiria refletir ao mesmo tempo, sem descontinuidade nem contradição, sobre o ser do homem e sobre o ser da linguagem? 

E, nesse caso, é preciso conjurar, com as maiores precauções, tudo o que possa constituir retorno ingênuo à teoria clássica do discurso (retorno cuja tentação, é preciso dizê-lo, é tanto maior quanto mais estamos desarmados para pensar o ser cintilante mas abrupto da linguagem, ao passo que a velha teoria da representação está aí, toda constituída, a oferecer-nos um lugar onde esse ser poderá alojar-se e dissolver-se num puro funcionamento). 

Mas pode ser também que esteja para sempre excluído o direito de pensar ao mesmo tempo o ser da linguagem e o ser do homem; pode ser que haja aí como que uma indelével abertura (aquela em que justamente existimos e falamos), de tal forma que seria preciso rejeitar como quimera toda antropologia que pretendesse tratar do ser da linguagem, toda concepção da linguagem ou da significação que quisesse alcançar, manifestar e liberar o ser próprio do homem. 

É talvez aí que se enraíza a mais importante opção filosófica de nossa época. Opção que só se pode fazer na experiência mesma de uma reflexão futura. Pois nada nos pode dizer, de antemão, de que lado a via está aberta. 

A única coisa que, por ora, sabemos com toda a certeza é que jamais, na cultura ocidental, o ser do homem e o ser da linguagem puderam coexistir e se articular um com o outro. Sua incompatibilidade foi um dos traços fundamentais de nosso pensamento.

A mutação da análise do Discurso numa analítica da finitude tem, contudo, outra conseqüência. 

A teoria clássica do signo e da palavra devia mostrar como as representações, que se sucediam numa cadeia tão estreita e tão cerrada que as distinções aí não apareciam, e que eram, em suma, todas semelhantes, podiam estender-se num quadro permanente de diferenças estáveis e de identidades limitadas; tratava-se de uma gênese da Diferença a partir da monotonia secretamente variada do Semelhante. 

A analítica da finitude tem um papel exatamente inverso: 

  • mostrando que o homem é determinado, trata-se, para ela, de manifestar que o fundamento dessas determinações é o ser mesmo do homem em seus limites radicais; 
  • ela deve manifestar também que os conteúdos da experiência são já suas próprias condições, 
  • que o pensamento frequenta previamente o impensado que lhes escapa e cuja reapreensão é sua tarefa de sempre; 
  • ela mostra como essa origem de que jamais o homem é contemporâneo lhe é a um tempo retirada e dada ao modo da iminência; 
  • em suma, trata-se sempre, para ela, de mostrar como o Outro, o Longínquo é também o mais Próximo e o Mesmo. 

Passou-se assim 

  • de uma reflexão sobre a ordem das Diferenças (com a análise que ela supõe e essa ontologia do contínuo, essa exigência de um ser pleno, sem ruptura, desdobrado em sua perfeição, que supõem uma metafísica) 
  • a um pensamento do Mesmo, sempre a ser conquistado ao que lhe é contraditório: o que implica (além da ética de que se falou) uma dialética e essa forma de ontologia que, por não ter necessidade do contínuo, por não precisar refletir o ser senão nas suas formas limitadas ou no afastamento de sua distância, pode e deve dispensar a metafísica. 

Um jogo dialético e uma ontologia sem metafisica se interpelam e se correspondem mutuamente através do pensamento moderno e ao longo de toda a sua história: pois é um pensamento que não se encaminha mais em direção à formação jamais acabada da Diferença, mas ao desvelamento do Mesmo sempre por realizar. 

Ora, tal desvelamento não se dá sem o aparecimento simultâneo do Duplo, e essa distância, ínfima mas invencível, que reside no “e” 

  • do recuo e do retorno, 
  • do pensamento e do impensado, 
  • do empírico e do transcendental, 
  • do que é da ordem da positividade e do que é da ordem dos fundamentos. 

A identidade separada de si mesma numa distância que lhe é, em certo sentido, interior, mas que, em outro, a constitui, a repetição que oferece o idêntico mas na forma do afastamento estão, sem dúvida, no coração desse pensamento moderno ao qual, apressadamente, se atribui a descoberta do tempo. 

De fato, se se prestar um pouco mais de atenção, percebe-se que 

  • o pensamento clássico reportava a possibilidade de espacializar as coisas em um quadro a essa propriedade da pura sucessão representativa de se interpelar a partir de si, de se reduplicar e de constituir uma simultaneidade a partir de um tempo contínuo: o tempo fundava o espaço. 
  • No pensamento moderno, o que se revela no fundamento da história das coisas e da historicidade própria ao homem é a distância que escava o Mesmo, é o afastamento que o dispersa e o reúne nos dois extremos dele mesmo. É essa profunda espacialidade que permite ao pensamento moderno sempre pensar o tempo – conhecê-lo como sucessão, prometê-lo a si mesmo como acabamento, origem ou retomo.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
capítulo IX – O homem e seus duplos;
tópico VII. O discurso e o ser do homem.

VI. O recuo e o retorno à origem

VI. O recuo e o retorno da origem

O último traço que caracteriza, ao mesmo tempo, o modo de ser do homem e a reflexão que a ele se dirige é a relação com a origem. 

Relação muito diferente daquela que o pensamento clássico tentava estabelecer nas suas gêneses ideais. Reencontrar a origem, no século XVIII, era recolocar-se o mais perto possível da pura e simples reduplicação da representação: 

  • pensava-se a economia a partir da troca, porque nesta as duas representações que cada um dos parceiros fazia de sua propriedade e da do outro eram equivalentes; 
  • oferecendo a satisfação de dois desejos quase idênticos, elas eram, em suma, “semelhantes”. 

Pensava-se a ordem da natureza, antes de qualquer catástrofe, como um quadro onde os seres se sucederiam numa ordem tão cerrada e numa trama tão contínua que, de um ponto a outro dessa sucessão, dar-se-ia um deslocamento no interior de uma quase-identidade, e, de uma extremidade a outra, estar-se-ia sendo conduzido através da superfície lisa do “semelhante”. 

Pensava-se a origem da linguagem como a transparência entre a representação de uma coisa e a representação do grito, do som, da mímica (da linguagem de ação) que a acompanhava. 

Enfim, a origem do conhecimento era buscada do lado dessa sequência pura de representações – sequência tão perfeita e tão linear, que a segunda tinha substituído a primeira sem que se tomasse consciência disso, uma vez que ela não lhe era simultânea, que não era possível estabelecer entre as duas uma diferença e que não se podia experimentar a seguinte senão como “semelhante” à primeira; e somente quando aparecia uma sensação mais “semelhante” a uma precedente do que todas as outras, é que a reminiscência podia exercer-se, a imaginação representar novamente uma representação e o conhecimento firmar-se nessa reduplicação. 

Pouco importava que esse nascimento fosse considerado fictício ou real, que tivesse valor de hipótese explicativa ou de acontecimento histórico: na verdade, essas distinções só existem para nós; num pensamento para o qual o desenvolvimento cronológico se aloja no interior de um quadro, sobre o qual ele só constitui um percurso, o ponto de partida está simultaneamente fora do tempo real e dentro dele: ele é essa dobra primeira pela qual todos os acontecimentos históricos podem ter lugar.

No pensamento moderno, tal origem não é mais concebível: viu-se como o trabalho, a vida, a linguagem adquiriram sua historicidade própria, na qual estavam entranhadas: não podiam, portanto, jamais enunciar verdadeiramente sua origem, ainda que toda a sua história esteja interiormente como que apontada em direção a ela. Não é mais a origem que dá lugar à historicidade; é a historicidade que, na sua própria trama, deixa perfilar-se a necessidade de uma origem que lhe seria ao mesmo tempo interna e estranha: como o vértice virtual de um cone onde todas as diferenças, todas as dispersões, todas as descontinuidades fossem estreitadas até formarem não mais que um ponto de identidade, a impalpável figura do Mesmo, com o poder, entretanto, de explodir sobre si e de tornar-se outra.

O homem constituiu-se no começo do século XIX em correlação com essas historicidades, com todas essas coisas envolvidas sobre si mesmas e indicando, através de seu desdobramento, mas por suas leis próprias, a identidade inacessível de sua origem. 

Contudo, não é do mesmo modo que o homem tem relação com sua origem. É que, com efeito, o homem só se descobre ligado a uma historicidade já feita: 

  • não é jamais contemporâneo dessa origem que, através do tempo das coisas, se esboça enquanto se esquiva; 
  • quando ele tenta definir-se como ser vivo, só descobre seu próprio começo sobre o fundo de uma vida que por sua vez começara bem antes dele; 
  • quando tenta se apreender como ser no trabalho traz à luz as suas formas mais rudimentares somente no interior de um tempo e de um espaço humanos já institucionalizados, já dominados pela sociedade; 
  • e quando tenta definir sua essência de sujeito falante, aquém de toda língua efetivamente constituída, jamais encontra senão a possibilidade da linguagem já desdobrada, e não o balbucio, a primeira palavra a partir da qual todas as línguas e a própria linguagem se tomaram possíveis. 

É sempre sobre um fundo do já começado que o homem pode pensar o que para ele vale como origem. 

Esta, portanto, de modo algum é para ele o começo – uma espécie de primeira manhã da história a partir da qual se houvessem acumulado as aquisições ulteriores. 

A origem é, bem antes, 

  • a maneira como o homem em geral, como todo e qualquer homem, se articula com o já começado do trabalho, da vida e da linguagem; 
  • deve ser procurada nessa dobra onde o homem trabalha com toda a ingenuidade um mundo laborado há milênios, vive, no frescor de sua existência única, recente e precária, uma vida que se entranha até as primeiras formações orgânicas, compõe em frases ainda não ditas (mesmo que gerações as tenham repetido) palavras mais velhas que toda memória. 

Nesse sentido, o nível do originário é, sem dúvida, para o homem, o que está mais próximo dele: essa superfície que ele percorre inocentemente, sempre pela primeira vez, e sobre a qual seus olhos, logo que se abrem, descobrem figuras tão jovens quanto seu olhar – figuras que, não mais que ele, não podem ter idade, mas por uma razão inversa: não porque sejam também sempre jovens, mas porque pertencem a um tempo que não tem nem as mesmas medidas, nem os mesmos fundamentos que ele. 

Mas essa tênue superfície do originário que margina toda a nossa existência e que jamais lhe é ausente (nem mesmo, e sobretudo, no instante da morte em que ela se descobre, ao contrário, como que a nu) não é o imediato de um nascimento; está toda povoada por essas mediações complexas que, na sua história própria, o trabalho, a vida e a linguagem formaram e depositaram; de sorte que nesse simples contato, desde o primeiro objeto manipulado, desde a manifestação da mais simples necessidade até o arrojo da mais neutra palavra, são todos os intermediários de um tempo que o domina quase ao infinito, que o homem, sem o saber, reanima. 

Sem o saber; mas é preciso, na verdade, que o saiba de certa maneira, pois que é assim que os homens entram em comunicação e se acham na rede já entabulada da compreensão. 

E contudo esse saber é limitado, diagonal, parcial, porquanto cercado, de todos os lados, por uma imensa região de sombra onde o trabalho, a vida e a linguagem ocultam sua verdade (e sua própria origem) àqueles mesmos que falam, que existem e que laboram.

O originário, tal como, desde a Fenomenologia do espírito, o pensamento moderno não cessou de descrever, é, pois, bem diferente daquela gênese ideal que a idade clássica tentara reconstituir; mas é diferente também (conquanto lhe seja ligado por uma correlação fundamental) da origem que se desenha, numa espécie de além retrospectivo, através da historicidade dos seres. 

Longe de reconduzir, ou mesmo de apenas apontar em direção a um vértice real ou virtual de identidade, longe de indicar o momento do Mesmo em que a dispersão do Outro não se exerceu ainda, o originário no homem é aquilo que, desde o início, o articula com outra coisa que não ele próprio; é aquilo que introduz na sua experiência conteúdos e formas mais antigas do que ele e que ele não domina; é aquilo que, ligando-o a cronologias múltiplas, entrecruzadas, freqüentemente irredutíveis umas às outras, o dispersa através do tempo e o expõe em meio à duração das coisas. 

Paradoxalmente, o originário no homem não anuncia o tempo de seu nascimento, nem o núcleo mais antigo de sua experiência: 

  • liga-o ao que não tem o mesmo tempo que ele; 
  • e nele libera tudo o que não lhe é contemporâneo; 
  • indica, sem cessar e numa proliferação sempre renovada, que as coisas começaram bem antes dele e que, por essa mesma razão, ninguém lhe poderia assinalar uma origem, a ele cuja experiência é inteiramente constituída e limitada por essas coisas. 

Ora, essa própria impossibilidade tem dois aspectos: 

  • significa, por um lado, que a origem das coisas está sempre recuada, já que remonta a um calendário onde o homem não figura; 
  • mas significa, por outro lado, que o homem, por oposição a essas coisas, de que o tempo deixa perceber o nascimento cintilante na sua espessura, é o ser sem origem, aquele “que não tem pátria nem data”, aquele cujo nascimento jamais é acessível porque jamais teve “lugar”. 

O que se anuncia no imediato do originário é, pois, que o homem está separado da origem que o tornaria contemporâneo de sua própria existência: em meio a todas as coisas que nascem no tempo e nele sem dúvida morrem, ele, separado de toda origem, já está aí. 

De sorte que é nele que as coisas (aquelas mesmas que o excedem) encontram seu começo: mais que cicatriz marcada num instante qualquer da duração, ele é a abertura a partir da qual o tempo em geral pode reconstituir-se, a duração escoar, e as coisas, no momento que lhes é próprio, fazer seu aparecimento. 

Se, na ordem empírica, as coisas são sempre recuadas para ele, inapreensíveis em seu ponto zero, o homem se acha fundamentalmente em recuo em relação a esse recuo das coisas e é assim que elas podem, no imediato da experiência originária, fazer pesar sua sólida anterioridade.

Uma tarefa se apresenta então ao pensamento: a de contestar a origem das coisas, mas de contestá-la para fundá-la, reencontrando o modo pelo qual se constitui a possibilidade do tempo – essa origem sem origem nem começo a partir da qual tudo pode nascer. 

Semelhante tarefa implica que seja posto em questão tudo o que pertence ao tempo, tudo o que nele se formou, tudo o que se aloja no seu elemento móvel, de maneira que apareça a brecha sem cronologia e sem história donde provém o tempo. Este estaria então suspenso nesse pensamento que, contudo, não lhe escapa, já que nunca é contemporâneo da origem; mas essa suspensão teria o poder de abalar a relação recíproca entre a origem e o pensamento; o tempo giraria em torno de si e a origem, tendo-se tornado aquilo que o pensamento tem ainda que pensar e sempre de novo, lhe seria prometida numa iminência sempre mais próxima, jamais realizada. 

A origem é então o que está em via de voltar, a repetição para a qual tende o pensamento, o retomo do que sempre já começou, a proximidade de uma luz que desde sempre brilhou. 

Assim, uma terceira vez, a origem se perfila através do tempo; mas desta feita é o recuo no futuro, a injunção que o pensamento recebe e se faz a si mesmo de avançar, passo a passo, em direção ao que não cessou de torná-lo possível, de espreitar adiante de si, sobre a linha sempre recuada de seu horizonte, a luz donde ele veio e donde profusamente advém.

No preciso momento em que lhe era possível denunciar como quimeras as gêneses descritas no século XVIII, o pensamento moderno instaurava uma problemática da origem muito complexa e muito intrincada; essa problemática serviu de fundamento à nossa experiência do tempo e é a partir dela que, desde o século XIX, nasceram todas as tentativas para retomar o que poderia ser, na ordem humana, o começo e o recomeço, o afastamento e a presença do início, o retorno e o fim. 

Com efeito, o pensamento moderno estabeleceu uma relação com a origem que era inversa para o homem e para as coisas: 

  • autorizava assim – mas frustrava de antemão e guardava em face deles todo o seu poder de contestação – os esforços positivistas para inserir a cronologia do homem no interior da cronologia das coisas, de maneira que a unidade do tempo fosse restaurada e que a origem do homem não fosse nada mais que uma data, que uma dobra na série sucessiva dos seres (estabelecer essa origem, e com ela o aparecimento da cultura, a aurora das civilizações no movimento da evolução biológica); 
  • autorizava também o esforço inverso e complementar para alinhar, segundo a cronologia do homem, a experiência que ele tem das coisas, os conhecimentos que sobre elas adquiriu, as ciências que pôde assim constituir (de sorte que, se todos os começos do homem têm seu lugar no tempo das coisas, o tempo individual ou cultural do homem permite, numa gênese psicológica ou histórica, definir o momento em que as coisas encontram, pela primeira vez, o semblante de sua verdade); 
  • em cada um desses dois alinhamentos, a origem das coisas e a do homem se subordinam uma à outra; mas o simples fato de haver dois alinhamentos possíveis e irreconciliáveis indica a assimetria fundamental que caracteriza o pensamento moderno da origem. 

Ademais, esse pensamento faz advir, numa luz derradeira e como que numa claridade essencialmente reticente, uma certa camada do originário onde nenhuma origem na verdade estava presente, mas onde o tempo sem começo do homem manifestava para uma memória possível o tempo sem lembrança das coisas; 

daí uma dupla tentação: 

  • psicologizar todo conhecimento, qualquer que seja, e fazer da psicologia uma espécie de ciência geral de todas as ciências; 
  • ou, inversamente, descrever essa camada originária num estilo que escapa a todo positivismo, de maneira que se possa, a partir daí, inquietar a positividade de toda ciência e reivindicar contra ela o caráter fundamental, incontornável dessa experiência. 

Mas, ao atribuir a si a tarefa de restituir o domínio do originário, o pensamento moderno aí logo descobre o recuo da origem; e se propõe paradoxalmente a avançar na direção em que esse recuo se realiza e não cessa de aprofundar-se; tenta fazê-lo aparecer do outro lado da experiência como aquilo que a sustenta por seu recuo mesmo, como aquilo que está o mais próximo possível da sua mais visível possibilidade, como aquilo que nela é iminente; e, se o recuo da origem se apresenta assim na sua maior clareza, não é a própria origem que se acha liberada e ascende até si mesma na dinastia de seu arcaísmo? 

É por isso que o pensamento moderno está votado inteiramente à grande preocupação do retomo, ao cuidado de recomeçar, a essa estranha inquietude, que lhe é própria, que o coloca no dever de repetir a repetição. 

Assim, de Hegel a Marx e a Spengler, desenvolveu-se o tema de um pensamento que, pelo movimento em que se realiza – totalidade alcançada, retomada violenta no extremo despojamento, declínio solar – curva-se sobre si mesmo, ilumina sua própria plenitude, fecha seu círculo, reencontra-se em todas as figuras estranhas de sua odisseia e aceita desaparecer nesse mesmo oceano donde emanara; em oposição a esse retorno que ainda que não seja feliz é perfeito, delineia-se a experiência de Hôlderlin, de Nietzsche e de Heidegger, em que o retorno só se dá no extremo recuo da origem – lá onde os deuses se evadiram, onde cresce o deserto, onde a tékhnê instalou a denominação de sua vontade; de maneira que não se trata aí de um fechamento nem de uma curva, mas antes dessa brecha incessante que libera a origem na medida mesma de seu recuo; o extremo é então o mais próximo. 

Mas quer essa camada do originário, descoberta pelo pensamento moderno no movimento mesmo em que ele inventou o homem, prometa a ocasião da realização e das plenitudes acabadas, quer restitua o vazio da origem – aquele disposto pelo seu recuo e aquele escavado pela sua aproximação – de todo modo o que ela prescreve que se pense é algo como o “Mesmo”: através do domínio do originário que articula a experiência humana com o tempo da natureza e da vida, com a história, com o passado sedimentado das culturas, o pensamento moderno se esforça por reencontrar o homem em sua identidade – nessa plenitude ou nesse nada que é ele mesmo -, a história e o tempo nessa repetição que eles tornam impossível mas que forçam a pensar, e o ser naquilo mesmo que ele é.

E assim, nesta tarefa infinita de pensar a origem o mais perto e o mais longe de si, o pensamento descobre que o homem não é contemporâneo do que o faz ser – ou daquilo a partir do qual ele é; mas que está preso no interior de um poder que o dispersa, o afasta para longe de sua própria origem, e todavia lha promete numa iminência que será talvez sempre furtada; ora, esse poder não lhe é estranho; não reside fora dele na serenidade das origens eternas e incessantemente recomeçadas, pois então a origem seria efetivamente dada; esse poder é aquele de seu ser próprio. 

O tempo – mas esse tempo que é ele próprio – tanto o aparta da manhã donde ele emergiu quanto daquela que lhe é anunciada. 

Vê-se quanto esse tempo fundamental – esse tempo a partir do qual o tempo pode ser dado à experiência – é diferente daquele que vigorava na filosofia da representação: 

  • o tempo então dispersava a representação pois que lhe impunha a forma de uma sucessão linear; 
  • mas competia à representação restituir-se a si mesma na imaginação, reduplicar-se assim perfeitamente e dominar o tempo; 
  • a imagem permitia retomar o tempo integralmente, reapreender o que fora concedido à sucessão e construir um saber tão verdadeiro quanto o de um entendimento eterno. 

Na experiência moderna, ao contrário, 

  • o distanciamento da origem é mais fundamental do que toda experiência, porquanto é nela que a experiência cintila e manifesta sua positividade; 
  • é porque o homem não é contemporâneo de seu ser que as coisas vêm se dar com um tempo que lhes é próprio. 

E reencontra-se aqui o tema inicial da finitude. Mas essa finitude, que era primeiramente anunciada pelo jugo das coisas sobre o homem – pelo fato de que ele era dominado 

  • pela vida, 
  • pela história, 
  • pela linguagem  

– aparece agora num nível mais fundamental: ela é a relação insuperável do ser do homem com o tempo.

Assim, redescobrindo a finitude na interrogação da origem, o pensamento moderno remata o grande quadrilátero que começou a desenhar quando toda a epistémê ocidental se abalou no fim do século XVIII: 

  • o liame das positividades com a finitude, 
  • a reduplicação do empírico no transcendental, 
  • a relação perpétua do cogito com o impensado, 
  • o distanciamento e o retorno da origem 

definem para nós o modo de ser do homem. 

É na análise desse modo de ser, e não mais na da representação, que, desde o século XIX, a reflexão busca assentar filosoficamente a possibilidade do saber.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
capítulo IX – O homem e seus duplos;
tópico VI. O recuo e o retorno da origem

V. O cogito e o impensado

V. O "cogito" e o impensado

Se efetivamente 

  • o homem é, no mundo, o lugar de uma reduplicação empírico-transcendental, 
  • se deve ser essa figura paradoxal em que os conteúdos empíricos do conhecimento liberam, mas a partir de si, as condições que os tornaram possíveis, 

o homem não se pode dar na transparência imediata e soberana de um cogito; mas tampouco pode ele residir na inércia objetiva daquilo que, por direito, não acede e jamais acederá à consciência de si. 

O homem é um modo de ser tal que nele se funda esta dimensão sempre aberta, jamais delimitada de uma vez por todas, mas indefinidamente percorrida, que vai, 

  • de uma parte dele mesmo que ele não reflete num cogito, 
  • ao ato de pensamento pelo qual a capta; 

e que, inversamente, vai 

  • desta pura captação 
  • ao atravancamento empírico, à ascensão desordenada dos conteúdos, ao desvio das experiências que escapam a si mesmas, a todo o horizonte silencioso do que se dá na extensão movediça do não-pensamento. 

Porque é duplo empírico-transcendental, o homem é também o lugar do desconhecimento – deste desconhecimento que expõe sempre seu pensamento a ser transbordado por seu ser próprio e que lhe permite, ao mesmo tempo, se interpelar a partir do que lhe escapa. 

É essa a razão pela qual a reflexão transcendental, sob sua forma moderna, 

  • não mais encontra o ponto de sua necessidade, como em Kant, na existência de uma ciência da natureza (à qual se opõem o combate perpétuo e a incerteza dos filósofos), 
  • mas na existência muda, prestes porém a falar e como que toda atravessada secretamente por um discurso virtual, desse não-conhecido a partir do qual o homem é incessantemente chamado ao conhecimento de si. 

A questão não é mais: 

  • como pode ocorrer que a experiência da natureza dê lugar a juízos necessários? 

Mas sim: 

  1. como pode ocorrer que o homem pense o que ele não pensa, habite o que lhe escapa sob a forma de uma ocupação muda, anime, por uma espécie de movimento rijo, essa figura dele mesmo que se lhe apresenta sob a forma de uma exterioridade obstinada? 
  2. Como pode o homem ser essa vida cuja rede, cujas pulsações, cuja força encoberta transbordam indefinidamente a experiência que dela lhe é imediatamente dada? 
  3. Como pode ele ser esse trabalho, cujas exigências e cujas leis se lhe impõem como um rigor estranho? 
  4. Como pode ele ser o sujeito de uma linguagem que, desde milênios, se formou sem ele, cujo sistema lhe escapa, cujo sentido dorme um sono quase invencível nas palavras que, por um instante, ele faz cintilar por seu discurso, e no interior da qual ele é, desde o início, obrigado a alojar sua fala e seu pensamento, como se estes nada mais fizessem senão animar por algum tempo um segmento nessa trama de possibilidades inumeráveis? 

– Quádruplo deslocamento em relação à questão kantiana, pois que se trata 

  • não mais da verdade, mas do ser; 
  • não mais da natureza, mas do homem; 
  • não mais da possibilidade de um conhecimento, mas daquela de um desconhecimento primeiro;
  • não mais do caráter não-fundado das teorias filosóficas em face da ciência, mas da retomada, numa consciência filosófica clara, de todo esse domínio de experiências não-fundadas em que o homem não se reconhece.

A partir desse deslocamento da questão transcendental, o pensamento contemporâneo não podia evitar a reativação do tema do cogito. 

Não fora também a partir do erro, da ilusão, do sonho e da loucura, de todas as experiências do pensamento não-fundado que Descartes descobrira a impossibilidade de elas não serem pensamentos – de tal modo que o pensamento do mal-pensado, do não-verdadeiro, do quimérico, do puramente imaginário, aparecesse como lugar de possibilidade de todas essas experiências e primeira evidência irrecusável? 

Mas o cogito moderno é tão diferente do de Descartes quanto nossa reflexão transcendental está afastada da análise kantiana. 

É que, para Descartes, tratava-se de trazer à luz o pensamento como a forma mais geral de todos esses pensamentos que são o erro ou a ilusão, de maneira a conjurar-lhes o perigo, com o risco de reencontrá-los no final de sua tentativa, de explicá-los e de propor então o método para evitá-los. 

No cogito moderno, trata-se, ao contrário, 

  • de deixar valer, na sua maior dimensão, a distância que, a um tempo, separa e religa o pensamento presente a si, com aquilo que, do pensamento, se enraíza no não-pensado; 
  • ele precisa (e é por isso que ele é menos uma evidência descoberta que uma tarefa incessante a ser sempre retomada) percorrer, reduplicar e reativar, sob uma forma explícita, a articulação do pensamento com o que nele, em tomo dele, debaixo dele, não é pensamento, mas que nem por isso lhe é estranho, segundo uma irredutível, uma intransponível exterioridade.

 Sob essa forma, o cogito 

  • não será, portanto, a súbita descoberta iluminadora de que todo o pensamento é pensado, 
  • mas a interrogação sempre recomeçada para saber como o pensamento habita fora daqui, e, no entanto, o mais próximo de si mesmo, como pode ele ser sob as espécies do não-pensante. 

Ele não reconduz todo o ser das coisas ao pensamento sem ramificar o ser do pensamento até na nervura inerte do que não pensa.

Esse duplo movimento próprio ao cogito moderno explica por que nele o “Eu penso” não conduz à evidência do “Eu sou”; de fato, assim que o “Eu penso” se mostrou imbricado em toda uma espessura em que ele está quase presente, que ele anima mas à maneira ambígua de uma vigília sonolenta, não é mais possível fazer dele decorrer a afirmação de que “Eu sou”: posso eu dizer, com efeito, que sou essa linguagem que falo e na qual meu pensamento desliza a ponto de nela encontrar o sistema de todas as suas possibilidades próprias, mas que, no entanto, só existe sob o peso de sedimentações que ele jamais será capaz de atualizar inteiramente? 

Posso eu dizer que sou este trabalho que faço com minhas mãos, mas que me escapa não somente quando o concluo, mas antes mesmo de o haver encetado? 

Posso eu dizer que sou essa vida que sinto no fundo de mim, mas que me envolve tanto pelo tempo formidável que ela impulsiona consigo e que me eleva por um instante sobre sua crista, quanto pelo tempo iminente que me prescreve minha morte? 

Posso dizer tanto que sou quanto que não sou tudo isso; 

  • o cogito não conduz a uma afirmação de ser, mas abre justamente para toda uma série de interrogações em que o ser está em questão: 
    • que é preciso eu ser, eu que penso e que sou meu pensamento, 
    • para que eu seja o que não penso, para que meu pensamento seja o que não sou? 
  • Que é, pois, esse ser que cintila e, por assim dizer, tremeluz na abertura do cogito, mas não é dado soberanamente nele e por ele? 
  • Qual é, pois, a relação e a difícil interdependência entre o ser e o pensamento? 
  • Que é o ser do homem, e como pode ocorrer que esse ser, que se poderia tão facilmente caracterizar pelo fato de que “ele tem pensamento” e que talvez seja o único a possuí-lo, tenha uma relação indelével e fundamental com o impensado? 

Instaura-se uma forma de reflexão,
bastante afastada do cartesianismo
e da análise kantiana, 
em que está em questão, 
pela primeira vez, 
o ser do homem, 
nessa dimensão segundo a qual
o pensamento 
se dirige ao impensado 
e com ele se articula.

Isso tem duas conseqüências. 

  • A primeira é negativa e de ordem puramente histórica. 

Pode parecer que a fenomenologia juntou, um ao outro,

  • o tema cartesiano do cogito
  • e o motivo transcendental que Kant extraíra da crítica de Hume;

Husserl teria assim reanimado a vocação mais profunda da ratio ocidental, curvando-a sobre si mesma numa reflexão que seria radicalização da filosofia pura e fundamento da possibilidade de sua própria história. 

Na verdade, Husserl só pôde operar essa junção na medida em que a análise transcendental mudara seu ponto de aplicação  

  • (este é transportado da possibilidade de uma ciência da natureza
  • para a possibilidade que o homem tem de se pensar), 

e em que o cogito modificara sua função

  • (esta não é mais a de conduzir a uma existência apodítica, a partir de um pensamento que se afirma por toda a parte em que ele pensa,
  • mas a de mostrar como pode o pensamento escapar a si mesmo e conduzir assim a uma interrogação múltipla e proliferante sobre o ser).

A fenomenologia é, portanto,

  • muito menos a retomada de uma velha destinação racional do Ocidente,
  • que a atestação, bem sensível e ajustada, da grande ruptura que se produziu na epistémê moderna, na curva do século XVIII para o século XIX. 

Se a alguma coisa está ligada

  • é à descoberta da vida, do trabalho e da linguagem;
  • é também a essa figura nova que, sob o velho nome de homem, surgiu não há ainda dois séculos;
  • é à interrogação sobre o modo de ser do homem e sobre sua relação com o impensado. 

É por isso que a fenomenologia – ainda que se tenha esboçado primeiramente através do anti-psicologismo, ou, antes, na medida mesma em que, contra este, tenha feito ressurgir o problema do a priori e o motivo transcendental jamais pôde conjurar o insidioso parentesco, a vizinhança ao mesmo tempo prometedora e ameaçante com as análises empíricas sobre o homem; é por isso também que, embora se tenha inaugurado por uma redução ao cogito, ela foi sempre conduzida a questões, à questão ontológica. 

Sob nossos olhos, o projeto fenomenológico não cessa de se resolver numa descrição do vivido que, queira ou não, é empírica, e uma ontologia do impensado que põe fora de circuito a primazia do “Eu penso”.

  • A outra conseqüência é positiva. 

Concerne à relação do homem com o impensado, ou, mais exatamente, ao seu aparecimento gêmeo na cultura ocidental. 

Tem-se facilmente a impressão de que, a partir do momento em que o homem se constituiu como uma figura positiva no campo do saber, o velho privilégio do conhecimento reflexivo, do pensamento que se pensa a si mesmo, não podia deixar de desaparecer; mas que era, por isso mesmo, dado a um pensamento objetivo percorrer o homem por inteiro – com o risco de nele descobrir o que precisamente jamais podia ser dado à sua reflexão nem mesmo à sua consciência: 

  • mecanismos obscuros, 
  • determinações sem figura, 
  • toda uma paisagem de sombra a que, direta ou indiretamente, se chamou inconsciente. 

Não é o inconsciente aquilo que se dá necessariamente ao pensamento científico que o homem aplica a si mesmo quando pára de se pensar na forma da reflexão? 

De fato, o inconsciente e, de maneira geral, as formas do impensado, não foram a recompensa oferecida a um saber positivo do homem. 

O homem e o impensado são, ao nível arqueológico, contemporâneos. 

O homem não pôde desenhar-se como uma configuração na epistémê, sem que o pensamento simultaneamente descobrisse, ao mesmo tempo em si e fora de si, nas suas margens mas igualmente entrecruzados com sua própria trama, uma parte de noite, uma espessura aparentemente inerte em que ele está imbricado, um impensado que ele contém de ponta a ponta, mas em que do mesmo modo se acha preso. 

O impensado (qualquer que seja o nome que se lhe dê) não está alojado no homem como uma natureza encarquilhada ou uma história que nele se houvesse estratificado, mas é, em relação ao homem, o Outro: o Outro, fraterno e gêmeo, nascido não dele, nem nele, mas ao lado e ao mesmo tempo, numa idêntica novidade, numa dualidade sem apelo. 

Esse terreno obscuro, que facilmente se interpreta como uma região abissal na natureza do homem, ou como uma fortaleza singularmente trancafiada de sua história, lhe está ligado de outro modo; é-lhe, ao mesmo tempo, exterior e indispensável: um pouco a sombra projetada do homem surgindo no saber; um pouco a mancha cega a partir da qual é possível conhecê-lo. 

Em todo o caso, o impensado serviu ao homem de acompanhamento surdo e ininterrupto desde o século XIX. Como, em suma, ele não passava de um duplo insistente, jamais foi refletido por ele próprio de um modo autônomo; daquilo de que ele era o Outro e a sombra, recebeu a forma complementar e o nome invertido; 

  • foi o An sich em face do Für sich na fenomenologia hegeliana; 
  • foi o Unbewusste para Schopenhauer; 
  • foi o homem alienado para Marx; 
  • nas análises de Husserl, o implícito, o inatual, o sedimentado, o não-efetuado: 

de todo modo, o inesgotável duplo que se oferece ao saber refletido como a projeção confusa do que é o homem na sua verdade, mas que desempenha igualmente o papel de base prévia a partir da qual o homem deve reunir-se a si mesmo e se interpelar até sua verdade. 

É que esse duplo, por próximo que seja, é estranho, e o papel do pensamento, sua iniciativa própria, será aproximá-lo o mais perto possível de si mesmo; 

  • todo o pensamento moderno é atravessado pela lei de pensar o impensado –
  • de refletir, na forma do Para-si, os conteúdos do Em-si, 
  • de desalienar o homem reconciliando-o com sua própria essência, 
  • de explicitar o horizonte que dá às experiências seu pano de fundo de evidência imediata e desarmada, 
  • de levantar o véu do Inconsciente, 
  • de absorver-se no seu silêncio 
  • ou de pôr-se à escuta de seu murmúrio indefinido.

Na experiência moderna, a possibilidade de instaurar o homem num saber, o simples aparecimento dessa figura nova no campo da epistémê, implicam um imperativo que importuna interiormente o pensamento; 

  • pouco importa que ele seja cunhado sob as formas de uma moral, de uma política, de um humanismo, de um dever de se incumbir do destino ocidental, 
  • ou da pura e simples consciência de realizar na história uma tarefa de funcionário; 

o essencial é que o pensamento seja, por si mesmo e na espessura de seu trabalho, ao mesmo tempo 

  • saber e modificação do que ele sabe, 
  • reflexão e transformação do modo de ser daquilo sobre o que ele reflete. 

Ele põe em movimento, desde logo, aquilo que toca: não pode descobrir o impensado, ou ao menos ir em sua direção, sem logo aproximá-lo de si – ou talvez ainda, sem afastá-lo, sem que o ser do homem, em todo o caso, uma vez que ele se desenrola nessa distância, não se ache, por isso mesmo, alterado. 

Há aí alguma coisa profundamente ligada à nossa modernidade; afora as morais religiosas, o Ocidente só conheceu, sem dúvida, duas formas de ética: 

  • a antiga (sob a forma do estoicismo ou do epicurismo) articulava-se com a ordem do mundo e, descobrindo sua lei, podia deduzir o princípio de uma sabedoria ou uma concepção da cidade: mesmo o pensamento político do século XVIII pertence ainda a essa forma geral; 
  • a moderna, em contrapartida, não formula nenhuma moral, na medida em que todo imperativo está alojado no interior do pensamento e de seu movimento para captar o impensado; é a reflexão, é a tomada de consciência, é a elucidação do silencioso, a palavra restituída ao que é mudo, o advento à luz dessa parte de sombra que furta o homem a si mesmo, é a reanimação do inerte, é tudo isso que constitui, por si só, o conteúdo e a forma da ética. 

O pensamento moderno jamais pôde, na verdade, propor uma moral: mas a razão disso não está em ser ele pura especulação; muito ao contrário, desde o início e na sua própria espessura, ele é um certo modo de ação. Deixemos falar aqueles que incitam o pensamento a sair de seu retiro e a formular suas escolhas; deixemos agir aqueles que querem, sem qualquer promessa e na ausência de virtude, constituir uma moral. 

Para o pensamento moderno, não há moral possível; pois, desde o século XIX, o pensamento já “saiu” de si mesmo em seu ser próprio, não é mais teoria; desde que ele pensa, fere ou reconcilia, aproxima ou afasta, rompe, dissocia, ata ou reata, não pode impedir-se de liberar e de submeter. 

Antes mesmo de prescrever, de esforçar um futuro, de dizer o que é preciso fazer, antes mesmo de exortar ou somente alertar, o pensamento, ao nível de sua existência, desde sua forma mais matinal, é, em si mesmo, uma ação – um ato perigoso. Sade, Nietzsche, Artaud e Bataille o souberam, por todos aqueles que o quiseram ignorar; mas é certo também que Regel, Marx e Freud o sabiam. 

Pode-se dizer que o ignoram, em seu profundo simplismo, aqueles que afirmam que não há filosofia sem escolha política, que todo pensamento é “progressista” ou “reacionário’? 

Sua inépcia está em crer que todo pensamento “exprime” a ideologia de uma classe; sua involuntária profundidade está em que apontam com o dedo o modo de ser moderno do pensamento. 

Superficialmente, pode-se dizer que o conhecimento do homem, diferentemente das ciências da natureza, está sempre ligado, mesmo sob sua forma mais indecisa, a éticas ou a políticas; mais profundamente, o pensamento moderno avança naquela direção em que o outro do homem deve tomar-se o Mesmo que ele.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
capítulo IX – O homem e seus duplos;
tópico V. O cogito e o impensado

IV. O empírico e o transcendental

IV. O empírico e o transcendental

O homem, na analítica da finitude, é um estranho duplo empírico-transcendental, porquanto é um ser tal que nele se tomará conhecimento do que torna possível todo conhecimento. 

Mas a natureza humana dos empiristas não desempenhava, no século XVIIl, o mesmo papel?

De fato, 

  • o que então se analisava eram as propriedades e as formas da representação que permitiam o conhecimento em geral (é assim que Condillac definia as operações necessárias e suficientes para que a representação se desdobrasse em conhecimento: reminiscência, consciência de si, imaginação, memória); 
  • agora que o lugar da análise não é mais a representação, mas o homem em sua finitude, trata-se de trazer à luz as condições do conhecimento a partir dos conteúdos empíricos que nele são dados. 

Para o movimento geral do pensamento moderno, pouco importa onde esses conteúdos se acham localizados: a questão não está em saber se foram buscados na introspecção ou em outras formas de análise. Pois o limiar da nossa modernidade não está situado no momento em que se pretendeu aplicar ao estudo do homem métodos objetivos, mas no dia em que se constituiu um duplo empírico-transcendental a que se chamou homem. 

Viu-se então aparecer duas espécies de análises: 

  • as que se alojaram no espaço do corpo e que, pelo estudo da percepção, dos mecanismos sensoriais, dos esquemas neuromotores, da articulação comum às coisas e ao organismo, funcionaram como uma espécie de estética transcendental; aí se descobria que o conhecimento tinha condições anatomofisiológicas, que ele se formava pouco a pouco na nervura do corpo, que nele tinha talvez uma sede privilegiada, que suas formas, em todo o caso, não podiam ser dissociadas das singularidades de seu funcionamento; em suma, que havia uma natureza do conhecimento humano que lhe determinava as formas e que podia, ao mesmo tempo, ser-lhe manifestada nos seus próprios conteúdos empíricos. 
  • Houve também as análises que, pelo estudo das ilusões da humanidade, mais ou menos antigas, mais ou menos difíceis de vencer, funcionaram como uma espécie de dialética transcendental; mostrava-se assim que o conhecimento tinha condições históricas, sociais ou econômicas, que ele se formava no interior de relações tecidas entre os homens e que não era independente da figura particular que elas poderiam assumir aqui ou ali, em suma, que havia uma história do conhecimento humano que podia ao mesmo tempo ser dada ao saber empírico e prescrever-lhe suas formas.

Ora, o que há de particular nessas análises é que não têm, ao que parece, necessidade alguma umas das outras; bem mais, podem dispensar todo recurso a uma analítica (ou a uma teoria do sujeito): elas pretendem poder repousar apenas sobre si mesmas, já que são os próprios conteúdos que funcionam como reflexão transcendental. 

Mas, de fato, a busca de uma natureza ou de uma história do conhecimento, no movimento em que ela restringe a dimensão própria da crítica aos conteúdos de um conhecimento empírico, supõe o uso de uma certa crítica.

Crítica que não é o exercício de uma reflexão pura, mas o resultado de uma série de divisões mais ou menos obscuras. E, antes de tudo, divisões relativamente elucidadas, mesmo se arbitrárias: 

  • a que distingue o conhecimento rudimentar, imperfeito, mal equilibrado, nascente, daquele que se pode dizer, se não acabado, ao menos constituído em suas formas estáveis e definitivas (esta divisão toma possível o estudo das condições naturais do conhecimento); 
  • a que distingue a ilusão da verdade, a quimera ideológica da teoria científica (esta divisão torna possível o estudo das condições históricas do conhecimento); 

mas há uma divisão mais obscura e mais fundamental: é a da própria verdade; 

  • deve existir, com efeito, uma verdade que é da ordem do objeto – aquela que pouco a pouco se esforça, se forma, se equilibra e se manifesta através do corpo e dos rudimentos da percepção, aquela igualmente que se desenha à medida que as ilusões se dissipam e que a história se instaura num estatuto desalienado; 
  • mas deve existir também uma verdade que é da ordem do discurso – uma verdade que permite sustentar sobre a natureza ou a história do conhecimento uma linguagem que seja verdadeira. 

É o estatuto desse discurso verdadeiro que permanece ambíguo. 

Das duas uma: 

  • ou esse discurso verdadeiro encontra seu fundamento e seu modelo nessa verdade empírica cuja gênese ele retraça na natureza e na história, e ter-se-á uma análise de tipo positivista (a verdade do objeto prescreve a verdade do discurso que descreve sua formação); 
  • ou o discurso verdadeiro se antecipa a essa verdade de que define a natureza e a história, esboça-a de antemão e a fomenta de longe, e, então, ter-se-á um discurso de tipo escatológico (a verdade do discurso filosófico constitui a verdade em formação). 

A bem dizer, trata-se aí menos de uma alternativa que da oscilação inerente a toda análise que faz valer o empírico ao nível do transcendental. 

Comte e Marx são realmente testemunhas desse fato de que 

  • a escatologia (como verdade objetiva por vir do discurso sobre o homem) 
  • e o positivismo (como verdade do discurso definida a partir daquela do objeto) 

são arqueologicamente indissociáveis: um discurso que se pretende ao mesmo tempo empírico e crítico só pode ser, a um tempo, positivista e escatológico; o homem aí aparece como uma verdade ao mesmo tempo reduzida e prometida. A ingenuidade pré-crítica nele reina sem restrições.

É por isso que o pensamento moderno não pôde evitar e a partir justamente desse discurso ingênuo – a busca do lugar de um discurso que não fosse nem da ordem da redução nem da ordem da promessa: 

  • um discurso cuja tensão mantivesse separados o empírico e o transcendental, permitindo, no entanto, visar a um e outro ao mesmo tempo; 
  • um discurso que permitisse analisar o homem como sujeito, isto é, como lugar de conhecimentos empíricos mas reconduzidos o mais próximo possível do que os toma possíveis, e como forma pura imediatamente presente nesses conteúdos; 
  • um discurso, em suma, que desempenhasse em relação à quase-estética e à quase-dialética o papel de uma analítica que, ao mesmo tempo, as fundasse numa teoria do sujeito e lhes permitisse talvez articular-se com esse termo terceiro e intermediário em que se enraizariam, ao mesmo tempo, a experiência do corpo e a da cultura. 

Um papel tão complexo, tão super-determinado e tão necessário foi desempenhado, no pensamento moderno, pela análise do vivido. 

O vivido, com efeito, é o espaço onde todos os conteúdos empíricos são dados à experiência; é também a forma originária que os torna em geral possíveis e designa seu enraizamento primeiro; ele estabelece, na verdade, comunicação entre o espaço do corpo e o tempo da cultura, as determinações da natureza e o peso da história, sob a condição, porém, de que o corpo e, através dele, a natureza sejam primeiramente dados na experiência de uma espacialidade irredutível, e de que a cultura, portadora de história, seja primeiramente experimentada no imediato das significações sedimentadas. 

Pode-se compreender perfeitamente que a análise do vivido se tenha instaurado, na reflexão moderna, como uma contestação radical do positivismo e da escatologia; 

  • que tenha tentado restaurar a dimensão esquecida do transcendental; 
  • que tenha pretendido conjurar o discurso ingênuo de uma verdade reduzida ao empírico, e o discurso profético que ingenuamente promete o advento à experiência de um homem, enfim. 

É também verdade que a análise do vivido não deixa de ser um discurso de natureza mista: 

  • endereça-se a uma camada específica mas ambígua, bastante concreta, para que se lha possa aplicar uma linguagem meticulosa e descritiva, e bastante recuada, 
  • entretanto, em relação à positividade das coisas, para que se possa, a partir daí, escapar a essa ingenuidade, contestá-la e buscar-lhe fundamentos. 

Ela procura articular 

  • a objetividade possível de um conhecimento da natureza 
  • com a experiência originária que se esboça através do corpo; 

e articular 

  • a história possível de uma cultura 
  • com a espessura semântica que, a um tempo, se esconde e se mostra na experiência vivida. 

Portanto, não faz mais que preencher, com mais cuidado, as exigências apressadas que foram postas quando se pretendeu fazer valer, no homem, o empírico pelo transcendental. 

Vê-se a rede cerrada que, apesar das aparências, religa os pensamentos de tipo positivista ou escatológico (o marxismo em primeiro lugar) com as reflexões inspiradas na fenomenologia. 

A aproximação recente não é da ordem da conciliação tardia: ao nível das configurações arqueológicas, eles eram necessários, uns como outros – e uns aos outros – desde a constituição do postulado antropológico, isto é, desde o momento em que o homem apareceu como duplo empírico-transcendental.

A verdadeira contestação do positivismo e da escatologia não está, pois, num retorno ao vivido (que, na verdade, antes os confirma, enraizando-os); mas, se ela pudesse exercer-se, seria a partir de uma questão que, sem dúvida, parece aberrante, de tal modo está em discordância com o que tornou historicamente possível todo o nosso pensamento. 

Essa questão consistiria em perguntar se verdadeiramente o homem existe. Acredita-se que é simular um paradoxo supor, por um só instante, o que poderiam ser o mundo, o pensamento e a verdade se o homem não existisse. 

É que estamos tão ofuscados pela recente evidência do homem que sequer guardamos em nossa lembrança o tempo, todavia pouco distante, em que existiam o mundo, sua ordem, os seres humanos, mas não o homem. 

Compreende-se o poder de abalo que pôde ter e que conserva ainda para nós o pensamento de Nietzsche, quando anunciou, sob a forma do acontecimento iminente, da Promessa-Ameaça, que, bem logo, o homem não seria mais – mas, sim, o super-homem; o que, numa filosofia do Retorno, queria dizer que o homem, já desde muito tempo, havia desaparecido e não cessava de desaparecer, e que nosso pensamento moderno do homem, nossa solicitude para com ele, nosso humanismo dormiam serenamente sobre sua retumbante inexistência. 

A nós, que nos acreditamos ligados a uma finitude que só a nós pertence e que nos abre, pelo conhecer, a verdade do mundo, não deveria ser lembrado que estamos presos ao dorso de um tigre?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
capítulo IX – O homem e seus duplos;
tópico IV. O empírico e o transcendental

III. A analítica da finitude

III. A analítica da finitude

Quando 

  • a história natural se torna biologia, 
  • quando a análise das riquezas se torna economia,
  • quando sobretudo a reflexão sobre a linguagem se faz filologia 
  • e se desvanece esse discurso clássico
    em que o ser e a representação
    encontravam seu lugar-comum, 

então, no movimento profundo de uma tal mutação arqueológica, o homem aparece com sua posição ambígua 

  • de objeto para um saber 
  • e de sujeito que conhece: 

soberano submisso, espectador olhado, surge ele aí, nesse lugar do Rei que, antecipadamente, lhe designavam Las meninas, mas donde, durante longo tempo, sua presença real foi excluída. 

Como se nesse espaço vacante, em cuja direção estava voltado todo o quadro de Velásquez, mas que ele, contudo, só refletia pelo acaso de um espelho e como que por violação, todas as figuras de que se suspeitava a alternância, a exclusão recíproca, o entrelaçamento e a oscilação (o modelo, o pintor, o rei, o espectador) cessassem de súbito sua imperceptível dança, se imobilizassem numa figura plena e exigissem que fosse enfim reportado a um olhar de carne todo o espaço da representação.

O motivo dessa presença nova, a modalidade que lhe é própria, a disposição singular da epistémê que a autoriza, a relação nova que através dela se estabelece entre as palavras, as coisas e sua ordem – tudo isso pode ser agora trazido à luz. 

  • Cuvier e seus contemporâneos haviam requerido à vida que ela mesma definisse, na profundidade de seu ser, as condições de possibilidade do ser vivo; 
  • do mesmo modo, Ricardo havia requerido ao trabalho as condições de possibilidade da troca, do lucro e da produção; 
  • os primeiros filólogos haviam buscado, na profundidade histórica das línguas, a possibilidade do discurso e da gramática. 

Por isso mesmo, a representação deixou de valer para os seres vivos, para as necessidades e para as palavras, como seu lugar de origem e a sede primitiva de sua verdade; em relação a eles, ela nada mais é, doravante, que um efeito, seu acompanhante mais ou menos confuso numa consciência que os apreende e os restitui. 

A representação que se faz das coisas não tem mais que desdobrar, num espaço soberano, o quadro de sua ordenação; ela é, do lado desse indivíduo empírico que é o homem, o fenômeno – menos ainda talvez, a aparência – de uma ordem que pertence agora às coisas mesmas e à sua lei interior. Na representação, os seres não manifestam mais sua identidade, mas a relação exterior que estabelecem com o ser humano. 

Este, com seu ser próprio, com seu poder de se fornecer representações, surge num vão disposto pelos seres vivos, pelos objetos de troca e pelas palavras quando, abandonando a representação que fora até então seu lugar natural, retiram-se na profundidade das coisas e se enrolam sobre si mesmos segundo as leis da vida, da produção e da linguagem. 

Em meio a todos eles, comprimido pelo círculo que formam, o homem é designado – bem mais, é requerido – por eles, já que é ele quem fala, já que é visto residindo entre os animais (e num lugar que não é somente privilegiado, mas ordenador do conjunto que eles formam: mesmo se não é concebido como termo da evolução, nele se reconhece a extremidade de uma longa série), já que, enfim, a relação entre as necessidades e os meios que ele possui para satisfazê-las é tal que ele é necessariamente princípio meio de toda produção.

Mas essa imperiosa designação é ambígua. Em certo sentido, o homem é dominado pelo trabalho, pela vida e pela linguagem: sua existência concreta neles encontra suas determinações; só se pode ter acesso a ele através de suas palavras, de seu organismo, dos objetos que ele fabrica – como se eles primeiramente (e somente eles talvez) detivessem a verdade; e ele próprio, desde que pensa, só se desvela a seus próprios olhos sob a forma de um ser que, numa espessura necessariamente subjacente, numa irredutível anterioridade, é já um ser vivo, um instrumento de produção, um veículo para palavras que lhe preexistem. 

Todos esses conteúdos que seu saber lhe revela exteriores a ele e mais velhos que seu nascimento antecipam-no, vergam-no com toda a sua solidez e o atravessam como se ele não fosse nada mais do que um objeto da natureza ou um rosto que deve desvanecer-se na história. 

A finitude do homem se anuncia – e de uma forma imperiosa – na positividade do saber; sabe-se que o homem é finito, como se conhecem a anatomia do cérebro, o mecanismo dos custos de produção ou o sistema da conjugação indo-européia; ou, antes, pela filigrana de todas essas figuras sólidas, positivas e plenas, percebem-se a finitude e os limites que elas impõem, adivinha-se como que em branco tudo o que elas tornam impossível.

Na verdade, porém, essa primeira descoberta da finitude é instável; nada permite detê-la sobre si; e não se poderia supor que ela promete também esse mesmo infinito que ela recusa, segundo o sistema da atualidade? 

A evolução da espécie não está talvez concluída; 

  • as formas da produção e do trabalho não cessam de modificar-se e, talvez um dia, o homem não encontre mais no seu labor o princípio de sua alienação, nem nas suas necessidades a constante evocação de seus limites; 
  • e nada prova, tampouco, que ele não descobrirá sistemas simbólicos suficientemente puros para dissolver a velha opacidade das linguagens históricas. 

Anunciada na positividade, a finitude do homem se perfila sob a forma paradoxal do indefinido; ela indica, mais que o rigor do limite, a monotonia do caminhar que, sem dúvida, não tem limite mas que talvez não seja sem esperança. 

No entanto, todos esses conteúdos, com o que encobrem e com o que também deixam apontar em direção aos confins do tempo, só têm positividade no espaço do saber, só se oferecem à tarefa de um conhecimento possível, se ligados inteiramente à finitude. Pois eles não estariam aí, nessa luz que os ilumina parcialmente, se o homem que se descobre através deles estivesse preso na abertura muda, noturna, imediata e feliz da vida animal; mas tampouco se dariam sob o ângulo agudo que os dissimula a partir deles próprios, se o homem pudesse percorrê-los por inteiro no clarão de um entendimento infinito. 

Mas, à experiência do homem é dado 

  • um corpo que é seu corpo – fragmento de espaço ambíguo, cuja espacialidade própria e irredutível se articula contudo com o espaço das coisas; 
  • a essa mesma experiência é dado o desejo, como apetite primordial a partir do qual todas as coisas adquirem valor e valor relativo; 
  • a essa mesma experiência é dada uma linguagem em cujo fio todos os discursos de todos os tempos, todas as sucessões e todas as simultaneidades podem ser franqueados. 

Isso quer dizer que cada uma dessas formas positivas, em que o homem pode aprender que é finito, só lhe é dada com base na sua própria finitude. Ora, esta não é a essência mais bem purificada da positividade, mas aquilo a partir do que é possível que ela apareça. 

O modo de ser da vida e aquilo mesmo que faz com que a vida não exista sem me prescrever suas formas me são dados, fundamentalmente, por meu corpo; 

  • o modo de ser da produção, o peso de suas determinações sobre minha existência me são dados pelo meu desejo; 
  • e o modo de ser da linguagem, todo o rastro da história que as palavras fazem luzir no instante em que são pronunciadas e, talvez, até num tempo mais imperceptível ainda, 

só me são dados ao longo da tênue cadeia de meu pensamento falante. 

No fundamento de todas as positividades empíricas e do que se pode indicar como limitações concretas à existência do homem, descobre-se uma finitude – que em certo sentido é a mesma: ela é marcada 

  • pela espacialidade do corpo, 
  • pela abertura do desejo 
  • e pelo tempo da linguagem; 

e, contudo, ela é radicalmente outra: nela o limite não se manifesta como determinação imposta ao homem do exterior (por ter uma natureza ou uma história), mas como finitude fundamental que só repousa sobre seu próprio fato e se abre para a positividade de todo limite concreto.

Assim, do coração mesmo da empiricidade, indica-se a obrigação de ascender ou, se se quiser, de descer até urna analítica da finitude, em que o ser do homem poderá fundar, na possibilidade delas, todas as formas que lhe indicam que ele não é infinito. E o primeiro caráter com que essa analítica marcará o modo de ser do homem, ou, antes, o espaço no qual ela se desenrolará por inteiro, será o da repetição – da identidade e da diferença entre o positivo e o fundamental: a morte que corrói anonimamente a existência cotidiana do ser vivo é a mesma que aquela, fundamental, a partir da qual se dá a mim mesmo minha vida empírica; o desejo que liga e separa os homens na neutralidade do processo econômico é o mesmo a partir do qual alguma coisa me é desejável; o tempo que transporta as linguagens, nelas se aloja e acaba por desgastá-las, é esse tempo que alonga meu discurso antes mesmo que eu o tenha pronunciado numa sucessão que ninguém pode dominar. De um extremo ao outro da experiência, a finitude responde a si mesma; ela é, na figura do Mesmo, a identidade e a diferença das positividades e de seu fundamento. Vê-se como a reflexão moderna, desde o primeiro esboço dessa analítica, se inclina em direção a certo pensamento do Mesmo – em que a Diferença é a mesma coisa que a Identidade – exposição da representação, com sua realização em quadro, tal como o ordenava o saber clássico. É nesse espaço estreito e imenso, aberto pela repetição do positivo no fundamental, que toda essa analítica da finitude – tão ligada ao destino do pensamento moderno – vai desdobrar-se: é aí que se verá sucessivamente o transcendental repetir o empírico, o cogito repetir o impensado, o retorno da origem repetir seu recuo; é aí que se afirmará, a partir dele próprio, um pensamento do Mesmo irredutível à filosofia clássica.

Dir-se-á talvez que não era preciso esperar o século XIX para que a idéia da finitude fosse trazida à luz. É verdade que ele talvez a tenha somente deslocado no espaço do pensamento, fazendo-a desempenhar um papel mais complexo, mais ambíguo, de contorno menos fácil: para o pensamento dos séculos XVII e XVIII, era sua finitude que constrangia o homem a viver uma existência animal, a trabalhar com o suor de seu rosto, a pensar com palavras opacas; era essa mesma finitude que o impedia de conhecer de modo absoluto os mecanismos de seu corpo, os meios de satisfazer suas necessidades, o método para pensar sem o perigoso auxílio de uma linguagem toda tramada de hábitos e de imaginações. Como inadequação ao infinito, o limite do homem explicava tanto a existência desses conteúdos empíricos quanto a impossibilidade de conhecê-los imediatamente. E, assim, a relação negativa com o infinito – quer fosse concebida como criação, ou queda, ou ligação da alma e do corpo, ou determinação no interior do ser infinito, ou ponto de vista singular sobre a totalidade, ou liame da representação com a impressão – dava-se como anterior à empiricidade do homem e ao conhecimento que dela ele pode ter. Aquele limite fundava, num só movimento, mas sem retorno recíproco nem circularidade, a existência dos corpos, das necessidades e das palavras e a impossibilidade de dominá-los num conhecimento absoluto. A experiência que se forma no começo do século XIX aloja a descoberta da finitude não mais no interior do pensamento do infinito, mas no coração mesmo desses conteúdos que são dados, por um saber [mito, como as formas concretas da existência finita. Daí o jogo interminável de uma referência reduplicada: se o saber do homem é finito, é porque ele está preso, sem liberação possível, nos conteúdos positivos da linguagem, do trabalho e da vida; e inversamente, se a vida, o trabalho e a linguagem se dão em sua positividade, é porque o conhecimento tem formas finitas. Em outros termos, para o pensamento clássico, a finitude (como determinação positivamente constituída a partir do infinito) explica essas formas negativas que são o corpo, a necessidade, a linguagem, e o conhecimento limitado que deles se pode ter; para o pensamento moderno, a positividade da vida, da produção e do trabalho (que têm sua existência, sua historicidade e suas leis próprias) funda, como sua correlação negativa, o caráter limitado do conhecimento; e, inversamente, os limites do conhecimento fundam positivamente a possibilidade de saber, mas numa experiência sempre limitada, o que são a vida, o trabalho e a linguagem. Enquanto esses conteúdos empíricos estivessem alojados no espaço da representação, uma metafisica do infinito era não somente possível, mas exigida: com efeito, era realmente necessário que eles fossem as formas manifestas da finitude humana e que, no entanto, pudessem ter seu lugar e sua verdade no interior da representação; a ideia do infinito e a da sua determinação na finitude permitiam uma coisa e outra. Mas, quando os conteúdos empíricos foram desligados da representação e envolveram em si mesmos o princípio de sua existência, então a metafisica do infinito tomou-se inútil; a finitude não cessou mais de remeter a ela própria (da positividade dos conteúdos às limitações do conhecimento, e da positividade limitada deste ao saber limitado dos conteúdos). Então, todo o campo do pensamento ocidental foi invertido. Lá onde outrora havia correlação entre uma metafisica da representação e do infinito e uma análise dos seres vivos, dos desejos do homem, e das palavras de sua língua, vê-se constituir-se uma analítica da finitude e da existência humana, e em oposição a ela (mas numa oposição correlativa) uma perpétua tentação de constituir uma metafisica da vida, do trabalho e da linguagem. Mas isso não passa jamais de tentações, logo contestadas e como que minadas por dentro, pois não pode haver metafísicas medidas pelas finitudes humanas: metafisica de uma vida que converge para o homem, ainda que nele não se detenha; metafisica de um trabalho que libera o homem, de modo que o homem, em troca, possa dele liberar-se; metafisica de uma linguagem de que o homem pode reapropriar-se na consciência de sua própria cultura. De sorte que o pensamento moderno se contestará nos seus próprios arrojos metafísicos e mostrará que as reflexões sobre a vida, o trabalho e a linguagem, na medida em que valem como analíticas da finitude, manifestam o fim da metafisica: a filosofia da vida denuncia a metafisica como véu da ilusão, a do trabalho a denuncia como pensamento alienado e ideologia, a da linguagem, como episódio cultural.

Mas o fim da metafisica não é senão a face negativa de um acontecimento muito mais complexo que se produziu no pensamento ocidental. Esse acontecimento foi o aparecimento do homem. Não se deveria contudo crer que ele surgiu de súbito no horizonte, impondo de maneira irruptiva e absolutamente embaraçosa para nossa reflexão, o fato brutal de seu corpo, de seu labor, de sua linguagem; não foi a miséria positiva do homem que reduziu violentamente a metafisica. Sem dúvida, ao nível das aparências, a modernidade começa quando o ser humano começa a existir no interior de seu organismo, na concha de sua cabeça, na armadura de seus membros e em meio a toda a nervura de sua fisiologia; quando ele começa a existir no coração de um trabalho cujo princípio o domina e cujo produto lhe escapa; quando aloja seu pensamento nas dobras de uma linguagem, tão mais velha que ele não pode dominar-lhe as significações, reanimadas, contudo, pela insistência de sua palavra. Porém, mais fundamentalmente, nossa cultura transpôs o limiar a partir do qual reconhecemos nossa modernidade, no dia em que a finitude foi pensada numa referência interminável a si mesma. Se é verdade, ao nível dos diferentes saberes, que a finitude é sempre designada a partir do homem concreto e das formas empíricas que se podem atribuir à sua existência, ao nível arqueológico, que descobre o a priori histórico e geral de cada um dos saberes, o homem moderno – esse homem determinável em sua existência corporal, laboriosa e falante – só é possível a título de figura da finitude. A cultura moderna pode pensar o homem porque ela pensa o finito a partir dele próprio. 

Compreende-se, nessas condições, que o pensamento clássico e todos os que o procederam tenham podido falar do espírito e do corpo, do ser humano, de seu lugar tão limitado no universo, de todos os limites que medem seu conhecimento ou sua liberdade, mas que nenhum dentre eles jamais conheceu o homem tal como é dado ao saber moderno. 

O “humanismo” do Renascimento, o “racionalismo” dos clássicos podem realmente ter conferido um lugar privilegiado aos humanos na ordem do mundo, 

  • mas não puderam pensar o homem.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
capítulo IX – O homem e seus duplos;
tópico III – A analítica da finitude

I. O retorno da linguagem

I. O retorno da linguagem

Com a literatura, com o retorno da exegese e a preocupação da formalização, com a constituição de uma filologia, em suma, com o reaparecimento da linguagem num pulular múltiplo, a ordem do pensamento clássico pode doravante apagar-se. 

Nessa data entra ela, para todo olhar futuro, numa região de sombra. Nem é de obscuridade que se deveria ainda falar, mas de uma luz um pouco confusa, falsamente evidente e que oculta mais do que manifesta: parece, com efeito, que conhecemos tudo de saber clássico, se compreendemos 

  • que é racionalista, 
  • que atribui, desde Galileu e Descartes, um privilégio absoluto à mecânica, 
  • que supõe uma organização geral da natureza, 
  • que admite uma possibilidade de análise bastante radical para descobrir o elemento ou a origem, 
  • mas que já pressente, através e apesar de todos esses conceitos de entendimento, 
    • o movimento da vida,
    • a espessura da história 
    • e a desordem, difícil de dominar, da natureza. 

Mas reconhecer o pensamento clássico somente por esses sinais é desconhecer-lhe a disposição fundamental; é negligenciar inteiramente a relação entre tais manifestações e o que as tornava possíveis. 

E como, afinal de contas (a não ser por uma técnica laboriosa e lenta), reencontrar

  • a complexa relação das representações,
  • das identidades,
  • das ordens,
  • das palavras,
  • dos seres naturais, 
  • dos desejos
  • e dos interesses, 

a partir do momento em que toda essa grande rede se desfez, 

  • em que as necessidades organizaram por si mesmas sua produção
  • em que os seres vivos se voltaram para as funções essenciais da vida, 
  • em que as palavras se carregaram com o peso de sua história material 

em suma, a partir do momento em que as identidades da representação cessaram de manifestar, sem reticências nem reservas, a ordem dos seres? 

Todo o sistema dos crivos que analisava a seqüência das representações (tênue série temporal desenrolando-se no espírito dos homens) para fazê-la oscilar, para detê-la, desenvolvê-la e reparti-la num quadro permanente, todas essas querelas constituídas pelas palavras e pelo discurso, pelos caracteres e pela classificação, pelas equivalências e pela troca são agora abolidas a ponto de ser difícil reencontrar a maneira como esse conjunto pôde funcionar. 

A última “peça” que saltou – e cujo desaparecimento afastou de nós para sempre o pensamento clássico – é justamente o primeiro desses crivos: 

  • o discurso que assegurava o desdobramento inicial, espontâneo, ingênuo da representação em quadro. 

Desde o dia em que ele cessou de existir e de funcionar no interior da representação como sua ordenação primeira, o pensamento clássico cessou, no mesmo movimento, de nos ser diretamente acessível. 

O limiar do classicismo para a modernidade (mas pouco importam as próprias palavras – digamos, de nossa pré história para o que nos é ainda contemporâneo) foi definitivamente transposto quando as palavras cessaram de entrecruzar-se com as representações e de quadricular espontaneamente o conhecimento das coisas. 

No começo do século XIX, elas encontraram sua velha, sua enigmática espessura; não, porém, para reintegrar a curva do mundo que as alojava no Renascimento, nem para se misturar às coisas num sistema circular de signos. 

Destacada da representação, a linguagem doravante não mais existe, e até hoje ainda, senão de um modo disperso: 

  • para os filólogos, as palavras são como tantos objetos constituídos e depositados pela história;
  • para os que querem formalizar, a linguagem deve despojar-se de seu conteúdo concreto e só deixar aparecer as formas universalmente válidas do discurso;
  • se se quer interpretar, então as palavras tornam-se texto a ser fraturado para que se possa ver emergir, em plena luz, esse outro sentido que ocultam; ocorre enfim à linguagem surgir por si mesma num ato de escrever que não designa nada mais que ele próprio. 

Essa dispersão impõe à linguagem, se não um privilégio, ao menos um destino que parece singular quando comparado ao do trabalho ou da vida. 

  • Quando o quadro da história natural foi dissociado, os seres vivos foram dispersados, mas reagrupados, ao contrário, em torno do enigma da vida; 
  • quando a análise das riquezas desapareceu, todos os processos econômicos se reagruparam em torno da produção e do que a tornava possível; 
  • em contrapartida, quando a unidade da gramática geral – o discurso – se dissipou, então a linguagem apareceu segundo modos de ser múltiplos, cuja unidade, sem dúvida, não podia ser restaurada. 

Foi por essa razão, talvez, que a reflexão filosófica manteve-se durante muito tempo distanciada da linguagem. Enquanto buscava incansavelmente do lado da vida ou do trabalho alguma coisa que fosse seu objeto, ou seus modelos conceptuais, ou seu solo real e fundamental, só prestava à linguagem uma atenção marginal; para ela, tratava-se sobretudo de afastar os obstáculos que a linguagem podia opor à sua tarefa; era necessário, por exemplo, liberar as palavras dos conteúdos silenciosos que as alienava, ou, ainda, tornar a linguagem flexível e como que interiormente fluida, a fim de que, liberta das espacializações do entendimento, pudesse restituir o movimento da vida e sua duração própria. 

A linguagem só entrou diretamente e por si própria no campo do pensamento no fim do século XIX. 

Poder-se-ia mesmo dizer no século XX, se Nietzsche, o filólogo – e nisso também era ele tão erudito, a esse respeito sabia tanto e escrevia tão bons livros -, não tivesse sido o primeiro a aproximar a tarefa filosófica de uma reflexão radical sobre a linguagem. 

E eis que agora, nesse espaço filosófico-filológico que Nietzsche abriu para nós, a linguagem surge numa multiplicidade enigmática que precisaria ser dominada. Aparecem então, como tantos projetos (quimeras, quem pode sabê-lo no momento?), os temas de uma formalização universal de todo discurso, ou os de uma exegese integral do mundo que seria ao mesmo tempo sua perfeita desmistificação, ou os de uma teoria geral dos signos; ou ainda o tema (que foi, sem dúvida, historicamente primeiro) de uma transformação sem resíduo, de uma reabsorção integral de todos os discursos numa única palavra, de todos os livros numa página, de todo o mundo num livro. 

A grande tarefa a que se votou Mallarmé, e até a morte, é a que nos domina agora; no seu balbucio, envolve todos os nossos esforços de hoje para reconduzir à coação de uma unidade talvez impossível o ser fragmentado da linguagem. O empenho de Mallarmé para encerrar todo discurso possível na frágil espessura da palavra, nessa tênue e material linha negra traçada a tinta sobre o papel, responde, no fundo, à questão que Nietzsche prescrevia à filosofia. 

Para Nietzsche, não se tratava de saber o que eram em si mesmos o bem e o mal, mas quem era designado, ou antes, quem falava, quando, para designar-se a si próprio se dizia Agathós, e Deilós para designar os outros. 

Pois é aí, naquele que mantém o discurso e mais profundamente detém a palavra, que a linguagem inteira se reúne. 

A esta questão nietzschiana: 

  • quem fala? 

Mallarmé responde e não cessa de retomar sua resposta, dizendo que 

  • o que fala é, em sua solidão, em sua vibração frágil, em seu nada, a própria palavra – não o sentido da palavra, mas seu ser enigmático e precário. 

Enquanto Nietzsche mantinha até o fim a interrogação sobre aquele que fala, com o risco de fazer afinal a irrupção de si próprio no interior desse questionamento para fundá-lo em si mesmo, sujeito falante e interrogante: Ecce homo – Mallarmé não cessa de apagar-se na sua própria linguagem, a ponto de não mais querer aí figurar senão a título de executor numa pura cerimônia do Livro, em que o discurso se comporia por si mesmo. 

É bem possível que todas as questões que atravessam atualmente nossa curiosidade (Que é linguagem? Que é um signo? O que é mudo no mundo, nos nossos gestos, em todo o brasão enigmático de nossas condutas, em nossos sonhos e em nossas doenças – tudo isso fala, e que linguagem sustenta, segundo que gramática? Tudo é significante, ou o que o é, e para quem, segundo que regras? Que relação há entre a linguagem e o ser, e é realmente ao ser que sempre se endereça a linguagem, pelo menos aquela que fala verdadeiramente? Que é, pois, essa linguagem que nada diz, jamais se cala e se chama “literatura”?) – é bem possível que todas essas questões se coloquem hoje na distância jamais superada entre a questão de Nietzsche e a resposta que lhe deu Mallarmé. 

Sabemos agora donde nos vêm essas questões. 

Elas tornaram-se possíveis pelo fato de que, no começo do século XIX, estando a lei do discurso destacada da representação, o ser da linguagem achou-se como que fragmentado; mas elas se tornaram necessárias quando, com Nietzsche, com Mallarmé, o pensamento foi reconduzido, e violentamente, para a própria linguagem, para seu ser único e difícil. 

Toda a curiosidade de nosso pensamento se aloja agora na questão: 

  • que é a linguagem, como contorná-la para fazê-la aparecer em si mesma e em sua plenitude? 

Em certo sentido, essa questão toma o lugar daquelas que, no século XIX, concerniam à vida ou ao trabalho. Mas o estatuto dessa busca e de todas as questões que a diversificam não é perfeitamente claro. 

Dever-se-á pressentir aí o nascimento, menos ainda, o primeiro vislumbre no horizonte de um dia que mal se anuncia, mas em que já adivinhamos que o pensamento – esse pensamento que fala desde milênios sem saber o que é falar, nem mesmo que ele fala – vai recuperar-se por inteiro e iluminar-se de novo no fulgor do ser? 

Não é isso o que Nietzsche preparava quando, no interior de sua linguagem, matava o homem e Deus ao mesmo tempo e assim prometia, com o Retorno, o cintilar múltiplo e recomeçado dos deuses? 

Ou será preciso admitir, muito simplesmente, que tantas questões sobre a linguagem não fazem mais que prosseguir e no máximo concluir esse acontecimento, cuja existência e cujos primeiros efeitos, desde o fim do século XVIII, a arqueologia nos ensinou? 

O fracionamento da linguagem, contemporâneo de sua passagem à objetividade filológica, seria, então, apenas a conseqüência mais recentemente visível (porque a mais secreta e a mais fundamental) da ruptura da ordem clássica; esforçando-nos por dominar essa quebra e fazer aparecer a linguagem por inteiro, levaríamos a seu termo o que se passou antes de nós e sem nós, por volta do fim do século XVIII. 

Mas que seria, pois, esse acabamento? 

Pretendendo reconstituir a unidade perdida da linguagem, estar-se-ia indo até o fim de um pensamento que é o do século XIX, ou não se estaria indo em direção a formas que já são incompatíveis com ele? 

A dispersão da linguagem está ligada, com efeito, de um modo fundamental, a esse acontecimento arqueológico que se pode designar pelo desaparecimento do Discurso. 

Reencontrar num espaço único o grande jogo da linguagem tanto poderia ser 

  • dar um salto decisivo para uma forma inteiramente nova de pensamento 
  • quanto fechar sobre si mesmo um modo de saber constituído no século precedente. 

É verdade que a essas questões eu não sei responder, nem, entre essas alternativas, qual termo conviria escolher. Sequer adivinho se poderia jamais responder a elas ou se um dia me virão razões para me determinar. 

Todavia, sei agora por que é que, como todo o mundo, eu as posso formular a mim próprio – e que não as posso deixar de formular. 

Somente aqueles que não sabem ler se espantarão de que eu o tenha aprendido mais claramente 

  • em Cuvier, [naturalista]
  • em Bopp, [linguista]
  • em Ricardo, [economista]

do que em Kant ou Hegel.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
capítulo IX – O homem e seus duplos;
tópico I – O retorno da linguagem

III. Os três modelos

III. Os três modelos

As três faces do conhecimento

Assim, estes três pares,

  • função e norma,
  • conflito e regra,
  • significação e sistema,

cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem.

Numa primeira abordagem, pode-se dizer que o domínio das ciências humanas é coberto por três “ciências” – ou, antes, por três regiões epistemológicas, todas subdivididas no interior de si mesmas e todas entrecruzadas umas com as outras; essas regiões são definidas pela tríplice relação das ciências humanas em geral com a biologia, a economia, a filologia. 

Poder-se-ia admitir assim que 

  • a “região psicológica” encontrou seu lugar lá onde o ser vivo, no prolongamento de suas funções, de seus esquemas neuromotores, de suas regulações fisiológicas, mas também na suspensão que os interrompe e os limita, se abre à possibilidade da representação; 
  • do mesmo modo, a “região sociológica” teria encontrado seu lugar lá onde o indivíduo que trabalha, produz e consome se confere a representação da sociedade em que se exerce essa atividade, dos grupos e dos indivíduos entre os quais ela se reparte, dos imperativos, das sanções, dos ritos, das festas e das crenças mediante os quais ela é sustentada ou regulada; 
  • enfim naquela região onde reinam as leis e as formas de uma linguagem, mas onde, entretanto, elas permanecem à margem de si mesmas, permitindo ao homem fazer aí passar o jogo de suas representações, lá nascem o estudo das literaturas e dos mitos, a análise de todas as manifestações orais e de todos os documentos escritos, em suma, a análise dos vestígios verbais que uma cultura ou um indivíduo podem deixar de si mesmos.

Essa repartição, ainda que muito sumária, não é certamente demasiado inexata. Ela deixa, porém, na íntegra, dois problemas fundamentais: 

  • um concerne à forma de positividade que é própria às ciências humanas (os conceitos em torno dos quais elas se organizam, o tipo de racionalidade ao qual se referem e pelo qual buscam constituir-se como saber); 
  • outro, à sua relação com a representação (e a este fato paradoxal de que, embora tendo lugar somente onde há representação, é a mecanismos, formas, processos inconscientes, é, em todo o caso, aos limites exteriores da consciência que elas se dirigem). 

São bem conhecidos os debates a que deu lugar a busca de uma positividade específica no campo das ciências humanas: análise genética ou estrutural? explicação ou compreensão? recurso ao “inferior” ou manutenção da decifração ao nível da leitura? 

Na verdade, todas essas discussões teóricas não nasceram e não prosseguiram ao longo de toda a história das ciências humanas porque estas teriam que lidar com o homem como com um objeto tão complexo que não se teria podido encontrar em sua direção um modo de acesso único, ou que se teria sido constrangido a utilizar vários alternadamente. De fato, essas discussões só puderam existir na medida em que a positividade das ciências humanas se apóia simultaneamente na transferência de três modelos distintos. Essa transferência não é, para as ciências humanas, um fenômeno marginal (uma espécie de estrutura de apoio, de desvio mediante uma inteligibilidade exterior, de confirmação no campo das ciências já constituídas); não é também um episódio limitado de sua história (uma crise de formação numa época em que eram ainda tão novas, que não podiam fixar por si próprias seus conceitos e suas leis). 

Trata-se de um fato indelével, que está ligado, para sempre, à sua disposição própria no espaço epistemológico. Convém, com efeito, distinguir duas espécies de modelos utilizados pelas ciências humanas (pondo à parte os modelos de formalização). 

  • Houve, por um lado – e ainda há freqüentemente – conceitos que são transportados a partir de outro domínio do conhecimento e que, perdendo então toda eficácia operatória, não desempenham mais que um papel de imagem (as metáforas organicistas na sociologia do século XIX; as metáforas energéticas em Janet; as metáforas geométricas e dinâmicas em Lewin). 
  • Mas há também os modelos constituintes que não são, para as ciências humanas, técnicas de formalização nem simples meios para, com o menor esforço, imaginar processos; eles permitem formar conjuntos de fenômenos como tantos “objetos” para um saber possível; asseguram sua ligação na empiricidade, mas os oferecem à experiência já ligados entre si. Desempenham o papel de “categorias” no saber singular das ciências humanas.

Esses modelos constituintes são tomados de empréstimo aos três domínios da biologia, da economia e do estudo da linguagem. 

  • É na superfície de projeção da biologia que o homem aparece como um ser que tem funções – que recebe estímulos (fisiológicos, mas também sociais, interhumanos, culturais), que responde a eles, que se adapta, evolui, submete-se às exigências do meio, harmoniza-se com as modificações que ele impõe, busca apagar os desequilíbrios, age segundo regularidades, tem, em suma, condições de existência e a possibilidade de encontrar normas médias de ajustamento que lhe permitem exercer suas funções. 
  • Na superfície de projeção da economia, o homem aparece enquanto tem necessidades e desejos, enquanto busca satisfazê-Ios, enquanto, pois, tem interesses, visa a lucros, opõe-se a outros homens; em suma, ele aparece numa irredutível situação de conflito; a esses conflitos ele se esquiva, deles foge ou chega a dominá-los, a encontrar uma solução que apazigue, ao menos em um nível e por algum tempo, sua contradição; instaura um conjunto de regras que são, ao mesmo tempo, limitação e dilatação do conflito. 
  • Enfim, na superfície de projeção da linguagem, as condutas do homem aparecem como querendo dizer alguma coisa; seus menores gestos, até em seus mecanismos involuntários e até em seus malogros, têm um sentido; e tudo o que ele deposita em torno de si, em matéria de objetos, de ritos, de hábitos, de discurso, toda a esteira de rastros que deixa atrás de si constitui um conjunto coerente e um sistema de signos. 

Assim, estes três pares,
– função e norma,
– conflito e regra,
– significação e sistema, 
cobrem, por completo,
o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

Contudo, não se deve julgar que cada um desses pares de conceitos permanece localizado na superfície de projeção em que puderam nascer: 

  • a função e a norma não são conceitos psicológicos e exclusivamente tais; 
  • o conflito e a regra não têm uma aplicação limitada apenas ao domínio sociológico; 
  • a significação e o sistema não valem somente para os fenômenos mais ou menos aparentados à linguagem. 

Todos esses conceitos são retomados no volume comum das ciências humanas, valem em cada uma das regiões que ele envolve: daí se segue ser freqüentemente difícil fixar os limites, não só entre os objetos, mas também entre os métodos próprios à psicologia, à sociologia, à análise das literaturas e dos mitos. 

No entanto, pode-se dizer, de maneira global, que 

  • a psicologia é fundamentalmente um estudo do homem em termos de funções e de normas (funções e normas que se podem, de maneira secundária, interpretar a partir dos conflitos e das significações, das regras e dos sistemas); 
  • a sociologia é fundamentalmente um estudo do homem em termos de regras e de conflitos (mas estes podem ser interpretados, e somos constantemente levados a interpretá-los secundariamente, quer a partir das funções, como se fossem indivíduos organicamente ligados a si mesmos, quer a partir de sistemas de significações, como se fossem textos escritos ou falados); 
  • enfim, o estudo das literaturas e dos mitos procede essencialmente de uma análise das significações e dos sistemas significantes, mas sabe-se bem que esta pode ser retomada em termos de coerência funcional ou de conflitos e de regras. 

É assim que todas as ciências humanas se entrecruzam e podem sempre interpretar-se umas às outras, que suas fronteiras se apagam, que as disciplinas intermediárias e mistas se multiplicam indefinidamente, que seu objeto próprio acaba mesmo por dissolver-se. Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é do nível da psicologia, da sociologia ou da análise das linguagens: é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros. Sabe-se com que precisão admirável se pôde conduzir o estudo das mitologias indo-europeias utilizando, com base numa análise dos significantes e das significações, o modelo sociológico. Sabe-se, em contrapartida, a que trivialidades sincréticas conduziu o sempre medíocre empreendimento de fundar uma psicologia dita “clínica”. Quer seja ele fundado e dominado, quer se realize na confusão, esse entrecruzamento dos modelos constituintes explica as discussões dos métodos há pouco evocadas. Elas não têm sua origem e sua justificação numa complexidade por vezes contraditória que seria o caráter próprio do homem; mas, sim, no jogo de oposição que permite definir cada um dos três modelos em relação aos dois outros. 

  • Opor a gênese à estrutura é opor a função (em seu desenvolvimento, em suas operações progressivamente diversificadas, em suas adaptações adquiridas e equilibradas no tempo) ao sincronismo do conflito e da regra, da significação e do sistema; 
  • opor a análise pelo “inferior” à que se mantém ao nível de seu objeto é opor o conflito (como dado primeiro, arcaico, inscrito já nas necessidades fundamentais do homem) à função e à significação tais como se desdobram na sua realização própria; 
  • opor a compreensão à explicação é opor a técnica que permite decifrar um sentido a partir do sistema significante àquelas que permitem explicar um conflito com suas conseqüências, ou as formas e as deformações que pode assumir e sofrer uma função com seus órgãos.

Mas é preciso ir mais longe

As três faces do conhecimento

Mas é preciso ir mais longe. 

Sabe-se que, nas ciências humanas, 

  • o ponto de vista da descontinuidade (limiar entre a natureza e a cultura, irredutibilidade mútua dos equilíbrios ou das soluções encontradas por cada sociedade ou cada indivíduo, ausência de formas intermediárias, inexistência de um continuum dado no espaço ou no tempo) 
  • se opõe ao ponto de vista da continuidade

A existência dessa oposição se explica pelo caráter bipolar dos modelos: 

a análise em estilo de continuidade apóia-se 

  • na permanência das funções (que se encontra desde o fundo da vida numa identidade que autoriza e enraíza as adaptações sucessivas), 
  • no encadeamento dos conflitos (ainda que assumam formas diversas, seu ruído de fundo não cessa jamais), 
  • na trama das significações (que se retomam umas às outras e constituem como que a superfície de um discurso); 

a análise das descontinuidades, ao contrário, 

  • procura antes fazer surgir a coerência interna dos sistemas significantes, 
  • a especificidade dos conjuntos de regras 
  • e o caráter de decisão que elas assumem em relação ao que deve ser regulado, a emergência da norma acima das oscilações funcionais. 

Poder-se-ia talvez retraçar toda a história das ciências humanas desde o século XIX, a partir desses três modelos. Com efeito, eles cobriram todo o seu devir, pois que se pode seguir, há mais de um século, a dinastia de seus privilégios: 

  • primeiro, o reino do modelo biológico (o homem, sua psique, seu grupo, sua sociedade, a linguagem que ele fala existem, na época romântica, enquanto vivos e na medida em que de fato vivem; seu modo de ser é orgânico e é analisado em termos de função); 
  • depois vem o reino do modelo econômico (o homem e toda a sua atividade são o lugar de conflitos de que constituem, ao mesmo tempo, a expressão mais ou menos manifesta e a solução mais ou menos bem-sucedida); 
  • enfim – assim como Freud vem após Comte e Marx – começa o reino do modelo filológico.(quando se trata de interpretar e de descobrir o sentido oculto) e linguístico (quando se trata de estruturar e de trazer à luz o sistema significante). 

Um amplo declive conduziu, pois, as ciências humanas de uma forma mais densa em modelos vivos a uma outra mais saturada de modelos tirados da linguagem. 

Esse desvio, porém, foi duplicado por outro: aquele que fez recuar o primeiro termo de cada um dos pares constituintes (função, conflito, significação) e fez surgir com mais intensidade a importância do segundo (norma, regra, sistema): Goldstein, Mauss, Dumezil podem representar, quase igualmente, o momento em que se realizou a reversão em cada um dos modelos. 

Uma tal reversão tem duas séries de conseqüências notáveis: 

  • enquanto o ponto de vista da função prevalecia sobre o da norma (enquanto não era a partir da norma e do interior da atividade que a estabelece que se tentava compreender a realização da função), era então preciso realmente separar de facto os funcionamentos normais daqueles que não o eram; 
    • admitia-se, assim, uma psicologia patológica bem ao lado da normal, mas para ser como que sua imagem invertida (daí a importância do esquema jacksoniano da desintegração em Ribot ou Janet); 
    • admitia-se também uma patologia das sociedades (Durkheim), das formas irracionais e quase mórbidas de crenças (Lévy-Brühl, Blondel); 
  • do mesmo modo, enquanto o ponto de vista do conflito prevalecia sobre o da regra, supunha-se que certos conflitos não podiam ser superados, que os indivíduos e as sociedades corriam o risco de neles soçobrar; 
  • enfim, enquanto o ponto de vista da significação prevalecia sobre o do sistema, separava-se o significante e o não-significante, admitia-se que em certos domínios do comportamento humano ou do espaço social havia sentido e que em outros não. 

De maneira que as ciências humanas exerciam no seu próprio campo uma partilha essencial, estendiam-se sempre entre um pólo positivo e um pólo negativo, designavam sempre uma alteridade (e isso a partir da continuidade que elas analisavam). 

Ao contrário, 

  • quando a análise foi efetuada do ponto de vista da norma, da regra e do sistemacada conjunto recebeu de si mesmo sua própria coerência e sua própria validade, não foi mais possível falar, 
    • mesmo a propósito dos doentes, de “consciência mórbida”, 
    • mesmo a propósito de sociedades abandonadas pela história, de “mentalidades primitivas”, 
    • mesmo a propósito de narrativas absurdas, de lendas aparentemente sem coerência, de “discursos não-significantes”. 

Tudo pode ser pensado na ordem do sistema, da regra e da norma. 

Ao pluralizar-se – visto que os sistemas são isolados, que as regras formam conjuntos fechados e que as normas se estabelecem na sua autonomia – o campo das ciências humanas achou-se unificado: deixou, de imediato, de estar cindido segundo uma dicotomia de valores. 

E se se lembrar que Freud, mais que qualquer outro, aproximou o conhecimento do homem de seu modelo filológico e linguístico, mas que foi também o primeiro a tentar apagar radicalmente a divisão entre o positivo e o negativo (o normal e o patológico, o compreensível e o incomunicável, o significante e o não-significante), compreende-se de que modo anuncia ele a passagem de uma análise em termos de funções, de conflitos e de significações para uma análise em termos de norma, de regras e de sistemas: e é assim que todo esse saber, em cujo interior a cultura ocidental se proveu, em um século, de uma certa imagem do homem, gira em tomo da obra de Freud, sem contudo sair de sua disposição fundamental. 

Mas não é ainda aí – como se verá dentro em pouco – que está a importância mais decisiva da psicanálise. Em todo o caso, essa passagem para o ponto de vista da norma, da regra e do sistema nos aproxima de um problema que foi deixado em suspenso: o do papel da representação nas ciências humanas. 

Já podia parecer bem contestável encerrar estas últimas (para opô-Ias à biologia, à economia, à filologia) no espaço da representação; não se deveria já estimar que uma função pode exercer-se, um conflito desenvolver suas conseqüências, uma significação impor sua inteligibilidade sem passar pelo momento de uma consciência explícita? 

E agora não será preciso reconhecer que o que é específico 

  • da norma em relação à função que ela determina, 
  • da regra em relação ao conflito que ela rege, 
  • do sistema em relação à significação que ele torna possível 

está precisamente em não serem dados à consciência? 

Às duas vertentes históricas já isoladas não será preciso acrescentar uma terceira e dizer que, desde o século XIX, as ciências humanas não cessaram de aproximar-se dessa região do inconsciente onde a instância da representação é mantida em suspenso? 

De fato, a representação não é a consciência e nada prova que este trazer à luz elementos ou organizações que jamais são dados como tais à consciência faça as ciências humanas escaparem à lei da representação. 

Com efeito, 

  • o papel do conceito de significação é mostrar de que modo alguma coisa como uma linguagem, ainda que não se trate de um discurso explícito e mesmo que não seja desdobrada para uma consciência, pode, em geral, ser dada à representação; 
  • o papel do conceito complementar de sistema é mostrar de que modo a significação jamais é primeira e contemporânea de si mesma, mas sempre segunda e como que derivada em relação a um sistema que a precede, que constitui sua origem positiva, e que se dá, pouco a pouco, por fragmentos e perfis através dela; em relação à consciência de uma significação, o sistema é, na verdade, sempre inconsciente, pois que já estava lá, antes dela, pois que é nele que ela se aloja e a partir dele que ela se efetua; mas isso porque ele fica sempre prometido a uma consciência futura que talvez jamais o totalizará. Em outras palavras, o par significação-sistema é o que assegura, a um tempo, a representabilidade da linguagem (como texto ou estrutura analisados pela filologia e pela linguística) e a presença próxima mas recuada da origem (tal como é manifestada como modo de ser do homem pela analítica da finitude). 

Da mesma forma, 

  • a noção de conflito mostra de que modo a necessidade, o desejo ou o interesse, ainda que não sejam dados à consciência que os experimenta, podem tomar forma na representação; e o papel do conceito inverso de regra é mostrar de que modo a violência do conflito, a insistência aparentemente selvagem da necessidade, o infinito sem lei do desejo estão, de fato, já organizados por um impensado que não só lhes prescreve sua regra, mas também os torna possíveis a partir de uma regra. O par conflito-regra assegura a representabilidade da necessidade (dessa necessidade que a economia estuda como processo objetivo no trabalho e na produção) e a representabilidade desse impensado desvelado pela analítica da finitude. 
  • Enfim, o conceito de função tem por papel mostrar de que modo as estruturas da vida podem dar lugar à representação (ainda que não sejam conscientes), e o conceito de norma, de que modo a função se dá a si mesma suas próprias condições de possibilidades e os limites de seu exercício. 

Compreende-se, assim, por que essas grandes categorias podem organizar todo o campo das ciências humanas: é que elas o atravessam de ponta a ponta, mantêm à distância, mas também reúnem as positividades empíricas da vida, do trabalho e da linguagem (a partir das quais o homem historicamente destacou-se como figura de um saber possível) às formas da finitude que caracterizam o modo de ser do homem (tal como se constituiu a partir do dia em que a representação cessou de definir o espaço geral do conhecimento). 

Essas categorias não são, pois, simples conceitos empíricos de uma bem grande generalidade; elas são, na verdade, aquilo a partir do qual o homem pode oferecer-se a um saber possível; elas percorrem todo o campo de sua possibilidade e o articulam fortemente com as duas dimensões que o delimitam. 

Mas isso não é tudo: 

  • elas permitem a dissociação, característica de todo saber contemporâneo sobre o homem, entre a consciência e a representação. Definem a maneira como as empiricidades podem ser dadas à representação, mas sob uma forma que não está presente à consciência (a função, o conflito, a significação constituem, realmente, a maneira como a vida, a necessidade, a linguagem são reduplicadas na representação, mas sob uma forma que pode ser perfeitamente inconsciente); 
  • por outro lado, definem a maneira como a finitude fundamental pode ser dada à representação sob uma forma positiva e empírica, mas não transparente à consciência ingênua (nem a norma, nem a regra, nem o sistema, são dados à experiência cotidiana: atravessam-na, dão lugar a consciências parciais, mas não podem ser inteiramente aclarados senão por um saber reflexivo). 

De sorte que as ciências humanas só falam no elemento do representável, mas segundo uma dimensão consciente-inconsciente, tanto mais acentuada quanto se tente trazer à luz a ordem dos sistemas, das regras e das normas. Tudo se passa como se a dicotomia do normal e do patológico tendesse a esvaecer-se em proveito da bipolaridade da consciência e do inconsciente. 

Não se deve, pois, esquecer que a importância cada vez mais acentuada do inconsciente em nada compromete o primado da representação. Essa primazia, no entanto, levanta um importante problema. 

Agora que os saberes empíricos como os da vida, do trabalho e da linguagem escapam à sua lei, agora que se tenta definir fora de seu campo o modo de ser do homem, o que é a representação, senão um fenômeno de ordem empírica que se produz no homem e que se poderia analisar como tal? E se a representação se produz no homem, que diferença há entre ela e a consciência? Mas a representação não é simplesmente um objeto para as ciências humanas; ela é, como se acaba de ver, o próprio campo das ciências humanas, e em toda a sua extensão; é o suporte geral dessa forma de saber, aquilo a partir do qual ele é possível. 

Daí duas conseqüências. 

Uma é de ordem histórica: é o fato de que as ciências humanas, diferentemente das ciências empíricas desde o século XIX, e diferentemente do pensamento moderno, não puderam contornar o primado da representação; como todo o saber clássico, alojam-se nelas; porém não são, de modo algum, suas herdeiras ou sua continuação, pois toda a configuração do saber modificou-se, e elas só nasceram na medida em que apareceu, com o homem, um ser que não existia outrora no campo da epistémê. 

Entretanto, pode-se compreender por que cada vez que há a intenção de servir-se das ciências humanas para filosofar, verter para o espaço do pensamento aquilo que se pôde aprender lá onde o homem estava em questão, falseia-se a filosofia do século XVIII, na qual, todavia, o homem não tinha lugar; 

  • é que, ao estender para além de seus limites o domínio do saber do homem, estende-se igualmente para além dele o reino da representação e se está a instalar-se de novo numa filosofia de tipo clássico. 

A outra conseqüência é que as ciências humanas, ao tratarem do que é representação (sob uma forma consciente ou inconsciente) estão tratando como seu objeto o que é sua condição de possibilidade. 

São, portanto, sempre animadas por uma espécie de mobilidade transcendental. Não cessam de exercer para consigo próprias uma retomada critica. Vão do que é dado à representação ao que torna possível a representação, mas que é ainda uma representação. De maneira que elas buscam menos, como as outras ciências, generalizar-se ou precisar-se do que desmistificar-se sem cessar: passar de uma evidência imediata e não-controlada a formas menos transparentes, porém mais fundamentais. 

Esse percurso quase transcendental dá-se sempre sob a forma do desvelamento. É sempre desvelando que, por contragolpe, elas podem generalizar-se ou se refinar até pensarem os fenômenos individuais. No horizonte de toda ciência humana, há o projeto de reconduzir a consciência do homem às suas condições reais, de restituí-Ia aos conteúdos e às formas que a fizeram nascer e que nela se esquivam; é por isso que o problema do inconsciente – sua possibilidade, seu estatuto, seu modo de existência, os meios de conhecê-lo e de o trazer à luz – não é simplesmente um problema interior às ciências humanas e que elas encontrassem ao acaso de seus procedimentos; é um problema que é, afinal, co-extensivo à sua própria existência. 

Uma sobrelevação transcendental revertida num desvelamento do não-consciente é constitutiva de todas as ciências do homem. Aí talvez se encontrasse o meio de demarcá-Ias no que elas têm de essencial. O que manifesta, em todo o caso, o específico das ciências humanas, vê-se bem que não é esse objeto privilegiado e singularmente nebuloso que é o homem. Pela simples razão de que não é o homem que as constitui e lhes oferece um domínio específico; mas, sim, é a disposição geral da epistémê que lhes dá lugar, as requer e as instaura – permitindo-lhes assim constituir o homem como seu objeto. 

Dir-se-á, pois, que há “ciência humana” não onde quer que o homem esteja em questão, mas onde quer que se analisem, na dimensão própria do inconsciente, normas, regras, conjuntos significantes que desvelam à consciência as condições de suas formas e de seus conteúdos. Falar de “ciências do homem”, em qualquer outro caso, é puro e simples abuso de linguagem. 

Avalia-se assim quão vãs e ociosas são todas as enfadonhas discussões para saber se tais conhecimentos podem ser ditos realmente científicos e a que condições deveriam sujeitar-se para vir a sê-lo. As “ciências do homem” fazem parte da epistémê moderna como a química ou a medicina ou alguma outra ciência; ou, ainda, como a gramática e a história natural faziam parte da epistémê clássica. 

Mas dizer que elas fazem parte do campo epistemológico significa somente que elas nele enraízam sua positividade, que nele encontram sua condição de existência, que não são, portanto, apenas ilusões, quimeras pseudocientíficas, motivadas ao nível das opiniões, dos interesses, das crenças, que elas não são aquilo a que outros dão o estranho nome de “ideologia”. O que não quer dizer, porém, que por isso sejam ciências. 

Se é verdade que toda ciência, qualquer que seja, quando interrogada ao nível arqueológico e quando se busca desenredar o solo de sua positividade, revela sempre a configuração epistemológica que a tornou possível, em contrapartida, toda configuração epistemológica, mesmo se perfeitamente demarcável em sua positividade, pode muito bem não ser uma ciência: nem por isso se reduz a uma impostura. 

É preciso distinguir, com cuidado, três coisas: 

  • há temas com pretensão científica que se podem encontrar ao nível das opiniões e que não fazem (ou não mais fazem) parte da rede epistemológica de uma cultura; 

a partir do século XVII, por exemplo, a magia natural cessou de pertencer à epistémê ocidental, mas prolongou-se por muito tempo no jogo das crenças e das valorizações afetivas. 

Há, em seguida, 

  • as figuras epistemológicas cujo desenho, posição, funcionamento, podem ser restituídos em sua positividade por uma análise de tipo arqueológico; 

e, por sua vez, podem obedecer a duas organizações diferentes: 

    • umas apresentam caracteres de objetividade e de sistematicidade que permitem defini-Ias como ciências; 
    • outras não respondem a esses critérios, isto é, sua forma de coerência e sua relação com seu objeto são determinadas tão somente por sua positividade. 

Estas últimas, conquanto não possuam os critérios formais de um conhecimento científico, pertencem, contudo, ao domínio positivo do saber. Seria, portanto, tão vão e injusto analisá-Ias como fenômenos de opinião, quanto confrontá-Ias, pela história ou pela crítica, com as formações propriamente científicas; mais absurdo ainda seria tratá- Ias como uma combinação que misturasse, segundo proporções variáveis, “elementos racionais” com outros que não o fossem. É preciso recolocá-las ao nível da positividade que as torna possíveis e determina necessariamente sua forma. A arqueologia tem, pois, para com elas, duas tarefas: determinar a maneira como elas se dispõem na epistémê em que se enraízam; mostrar também em que sua configuração é radicalmente diferente daquela das ciências no sentido estrito. Essa configuração que lhes é peculiar não deve ser tratada como um fenômeno negativo: não é a presença de um obstáculo, não é alguma deficiência interna que as fazem malograr no limiar das formas científicas. Elas constituem, na sua figura própria, ao lado das ciências e sobre o mesmo solo arqueológico, outras configurações do saber. 

Já foram encontrados exemplos de tais configurações na gramática geral ou na teoria clássica do valor; tinham o mesmo solo de positividade que a matemática cartesiana, mas não eram ciências, ao menos para a maioria daqueles que lhes eram contemporâneos. 

  • É o caso também do que se denomina hoje ciências humanas; 

elas desenham, quando se lhes faz a análise arqueológica, configurações perfeitamente positivas; mas, desde que se determinam essas configurações e a maneira como estão dispostas na epistémê moderna, compreende-se por que não podem ser ciências: o que as torna possíveis, com efeito, é uma certa situação de “vizinhança” em relação à biologia, à economia, à filologia (ou à linguística); elas só existem na medida em que se alojam ao lado destas – ou antes, debaixo delas, no seu espaço de projeção. Com elas mantêm, entretanto, uma relação que é radicalmente diferente daquela que se pode estabelecer entre duas ciências “conexas” ou “afins”: essa relação, com efeito, supõe a transferência de modelos exteriores na dimensão do inconsciente e da consciência e o refluxo da reflexão crítica em direção ao próprio lugar donde vêm esses modelos. 

Inútil, pois, dizer que as “ciências humanas” são falsas ciências; simplesmente não são ciências; a configuração que define sua positividade e as enraíza na epistémê moderna coloca-as, ao mesmo tempo, fora da situação de serem ciências; e se se perguntar então por que assumiram esse título, bastará lembrar que pertence à definição arqueológica de seu enraizamento o fato de que elas requerem e acolhem a transferência de modelos tomados de empréstimo a ciências. 

Não é, pois, a irredutibilidade do homem, aquilo que se designa como sua invencível transcendência, nem mesmo sua complexidade demasiado grande que o impede de tornar-se objeto de ciência. 

A cultura ocidental constituiu, sob o nome de homem, um ser que, por um único e mesmo jogo de razões, deve ser domínio positivo do saber e não pode ser objeto de ciência.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;

Capítulo X – As ciências humanas;
tópico III. Os três modelos

II. A forma das ciências humanas

II. A forma das ciências humanas

É preciso esboçar agora a forma dessa positividade. 

De ordinário, tenta-se defini-la em função das matemáticas: 

  • quer porque se busca aproximá-la o mais possível destas, fazendo o inventário de tudo o que nas ciências humanas é matematizável e supondo que tudo o que não é suscetível de semelhante formalização não recebeu ainda sua positividade científica; 
  • quer porque se tenta, ao contrário, distinguir com cuidado o domínio do matematizável e aquele outro que lhe seria irredutível, porque seria o lugar da interpretação, porque se lhes aplicariam sobretudo os métodos da compreensão, porque se acharia estreitado em torno do pólo clínico do saber. 

Semelhantes análises não são somente cansativas porque gastas, mas antes de tudo porque carecem de pertinência. Certamente, não há dúvida de que essa forma de saber empírico que se aplica ao homem (e que, para obedecer à convenção, pode-se ainda chamar de “ciências humanas” antes mesmo de saber em que sentido e dentro de que limites podem ser denominadas “ciências”) tem relação com as matemáticas: como qualquer outro domínio do saber, elas podem, sob certas condições, servir-se do instrumental matemático; alguns de seus procedimentos, muitos dos seus resultados podem ser formalizados. 

É, seguramente, de primeira importância, conhecer esses instrumentos, poder praticar essas formalizações, definir os níveis em que podem ser efetuadas; é, sem dúvida, interessante para a história saber como Condorcet pôde aplicar o cálculo das probabilidades à política, como Fechner definiu a relação logarítmica entre o crescimento da sensação e o da excitação, como os psicólogos contemporâneos se servem da teoria da informação para compreender os fenômenos da aprendizagem. 

Mas, apesar da especificidade dos problemas colocados, é pouco provável que a relação com as matemáticas (as possibilidades de matematização, ou a resistência a todos os esforços de formalização) seja constitutiva das ciências humanas na sua positividade singular. E isso por duas razões: 

  • porque, no essencial, elas têm esses problemas em comum com muitas outras disciplinas (como a biologia, a genética) ainda que eles não sejam, aqui e lá, identicamente os mesmos; 
  • e sobretudo porque a análise arqueológica não descortinou, no a priori histórico das ciências humanas, uma forma nova das matemáticas ou um brusco avanço destas no domínio do humano, mas, sim, muito mais uma espécie de retraimento da máthêsis, uma dissociação de seu campo unitário e a liberação, em relação à ordem linear das menores diferenças possíveis, de organizações empíricas como a vida, a linguagem e o trabalho. 

Nesse sentido, o aparecimento do homem e a constituição das ciências humanas (ainda que sob a forma de um projeto) seriam correlativos de uma espécie de “des-matematização”. 

Dir-se-á, sem dúvida, que essa dissociação de um saber concebido por inteiro como máthêsis não era um recuo das matemáticas, pela simples razão de que esse saber jamais conduzira (salvo em astronomia e sobre certos pontos de física) a uma matematização efetiva; ao desaparecer, ele antes liberava a natureza e todo o campo das empiricidades para uma aplicação, a cada instante limitado e controlado, das matemáticas; os primeiros grandes progressos da física matemática, as primeiras utilizações maciças do cálculo das probabilidades não datam do momento em que se renunciou a constituir imediatamente uma ciência geral das ordens não-quantificáveis? 

Com efeito, não se pode negar que a renúncia a uma máthêsis (ao menos provisoriamente) permitiu, em certos domínios do saber, suspender o obstáculo da qualidade, e aplicar o instrumental matemático lá onde ele ainda não penetrara. Mas se, ao nível da física, a dissociação do projeto da máthêsis constitui uma única e mesma coisa com a descoberta de novas aplicações das matemáticas, o mesmo não ocorreu em todos os domínios: a biologia, por exemplo, além de uma ciência das ordens qualitativas, constituiu-se como análise das relações entre os órgãos e as funções, estudo das estruturas e dos equilíbrios, investigações sobre sua formação e seu desenvolvimento na história dos indivíduos ou das espécies; tudo isso não impediu que a biologia utilizasse as matemáticas e que estas pudessem aplicar-se à biologia bem mais amplamente que no passado. 

Todavia, não foi em sua relação com as matemáticas que a biologia assumiu sua autonomia e definiu sua positividade. O mesmo ocorreu com as ciências humanas: 

  • foi o retraimento da máthêsis e não o avanço das matemáticas que permitiu ao homem constituir-se como objeto de saber; 
  • foi o envolvimento do trabalho, da vida e da linguagem em torno deles próprios que prescreveu, do exterior, o aparecimento desse novo domínio; 
  • e é o aparecimento desse ser empírico-transcendental, desse ser cujo pensamento é indefinidamente tramado com o impensado, desse ser sempre separado de uma origem que lhe é prometida na imediatidade do retorno – é esse aparecimento que dá às ciências humanas sua feição singular. 

Também aí, como em outras disciplinas, pode ser que a aplicação das matemáticas tenha sido facilitada (e o seja cada vez mais) por todas as modificações que se produziram, no começo do século XIX, no saber ocidental. Imaginar, porém, que as ciências humanas definiram seu projeto mais radical e inauguraram sua história positiva no dia em que se pretendeu aplicar o cálculo das probabilidades aos fenômenos da opinião política e utilizar logaritmos para medir a intensidade crescente das sensações é tomar um contra-efeito de superfície pelo acontecimento fundamental.

Em outros termos, entre as três dimensões que abrem às ciências humanas seu espaço próprio e lhes facultam o volume em que elas tomam corpo, 

  • a das matemáticas é talvez a menos problemática; 

é com ela, em todo o caso, que as ciências humanas entretêm as relações mais claras, mais serenas e, de certo modo, mais transparentes: tanto mais que o recurso às matemáticas, sob uma forma ou outra, sempre foi a maneira mais simples de emprestar ao saber positivo sobre o homem um estilo, uma forma, uma justificação científica. Em contrapartida, as dificuldades mais fundamentais, as que permitem melhor definir o que são, em sua essência, as ciências humanas, alojam-se do lado das outras duas dimensões do saber: 

  • aquela em que se desenrola a analítica da finitude 
  • e aquela ao longo da qual se repartem as ciências empíricas que tomam por objeto a linguagem, a vida e o trabalho.

As ciências humanas, com efeito, endereçam-se ao homem, na medida em que ele vive, em que fala, em que produz. 

  • É como ser vivo que ele cresce, que tem funções e necessidades, que vê abrir-se um espaço cujas coordenadas móveis ele articula em si mesmo; de um modo geral, sua existência corporal fá-Io entrecruzar-se, de parte a parte, com o ser vivo; 
  • produzindo objetos e utensílios, trocando aquilo de que tem necessidade, organizando toda uma rede de circulação ao longo da qual perpassa o que ele pode consumir e em que ele próprio se acha definido como elemento de troca, aparece ele em sua existência imediatamente imbricado com os outros; 
  • enfim, porque tem uma linguagem, pode constituir por si todo um universo simbólico, em cujo interior se relaciona com seu passado, com coisas, com outrem, a partir do qual pode imediatamente construir alguma coisa com um saber (particularmente esse saber que tem de si mesmo e do qual as ciências humanas desenham uma das formas possíveis). 

Pode-se, portanto, fixar o lugar das ciências do homem nas vizinhanças, nas fronteiras imediatas e em toda a extensão dessas ciências em que se trata da vida, do trabalho e da linguagem. 

Não chegam estas justamente a se formar na época em que, pela primeira vez, o homem se oferece à possibilidade de um saber positivo? 

Contudo, nem a biologia, nem a economia, nem a filologia devem ser tomadas como as primeiras ciências humanas nem como as mais fundamentais. 

Isso se reconhece sem dificuldade no caso da biologia, que se dirige a muitos outros seres vivos além do homem; 

tem-se mais dificuldade em admiti-lo no caso da economia ou da filologia, que têm por domínio próprio e exclusivo atividades específicas do homem. 

Mas não se pergunta por que é que a biologia ou a fisiologia humanas, por que é que a anatomia dos centros corticais da linguagem não podem, de modo algum, ser consideradas como ciências do homem. 

É que o objeto destas últimas jamais se dá ao modo de ser de um funcionamento biológico (nem mesmo sob sua forma singular e como que a de seu prolongamento no homem); ele é antes seu reverso, sua marca no vazio; ele começa lá onde pára – não a ação ou os efeitos – mas o ser próprio desse funcionamento – lá onde se liberam representações, verdadeiras ou falsas, claras ou obscuras, perfeitamente conscientes ou embrenhadas na profundidade de alguma sonolência, observáveis direta ou indiretamente, oferecidas naquilo que o próprio homem enuncia ou detectáveis somente do exterior; a busca das ligações intracorticais entre os diferentes centros de integração da linguagem (auditivos, visuais, motores) não é da alçada das ciências humanas; mas estas encontrarão seu espaço de desempenho, desde que se interrogue esse espaço de palavras, essa presença ou esse esquecimento de seu sentido, essa distância entre o que se quer dizer e a articulação em que essa intenção é investida, coisas de que o sujeito talvez não tenha consciência, mas que não teriam nenhum modo de ser assinalável se esse mesmo sujeito não tivesse representações.

De um modo mais geral, o homem, para as ciências humanas, 

  • não é esse ser vivo que tem uma forma bem particular (uma fisiologia bastante especial e uma autonomia quase única); 
  • é esse ser vivo que, do interior da vida à qual pertence inteiramente e pela qual é atravessado em todo o seu ser, constitui representações graças às quais ele vive e a partir das quais detém esta estranha capacidade de poder se representar justamente a vida. 

Do mesmo modo, conquanto o homem seja a única espécie no mundo que trabalha, ao menos aquela em que a produção, a distribuição, o consumo dos bens assumiram tanta importância e receberam formas tão múltiplas e tão diferenciadas, nem por isso a economia é uma ciência humana. 

Dir-se-á talvez que esta, 

  • para definir leis que são contudo interiores aos mecanismos da produção (como o acúmulo do capital ou as relações entre as taxas dos salários e os custos de produção), recorre a comportamentos humanos e a uma representação que o fundamentam (o interesse, a busca do lucro máximo, a tendência para a poupança); mas, ao fazê-lo, ela utiliza as representações como requisito de um funcionamento (que passa, com efeito, por uma atividade humana explícita); 
  • em contrapartida, só haverá ciência do homem se nos dirigirmos à maneira como os indivíduos ou os grupos se representam seus parceiros na produção e na troca, o modo como esclarecem, ou ignoram, ou mascaram esse funcionamento e a posição que aí ocupam, a maneira como se representam a sociedade em que isso ocorre, o modo como se sentem integrados a ela ou isolados, dependentes, submetidos ou livres; 

o objeto das ciências humanas 

  • não é esse homem que, desde a aurora do mundo, ou o primeiro grito de sua idade de ouro, está destinado ao trabalho; 
  • é esse ser que, do interior das formas da produção pelas quais toda a sua existência é comandada, forma a representação dessas necessidades, da sociedade pela qual, com a qual ou contra a qual as satisfaz, de sorte que, a partir daí, pode ele finalmente se dar a representação da própria economia. 

Quanto à linguagem, ocorre o mesmo: embora o homem seja, no mundo, o único ser que fala, 

  • não constitui ciência humana conhecer as mutações fonéticas, o parentesco das línguas, a lei dos desvios semânticos; 
  • em contrapartida, poder-se-á falar de ciência humana desde que se busque definir a maneira como os indivíduos ou os grupos se representam as palavras, utilizam sua forma e seu sentido, compõem discursos reais, mostram e escondem neles o que pensam, dizem, talvez à sua revelia, mais ou menos do que pretendem, deixam desses pensamentos, em todo o caso, uma massa de traços verbais que é preciso decifrar e restituir, tanto quanto possível, à sua vivacidade representativa. 

O objeto das ciências humanas 

  • não é, pois, a linguagem (falada, contudo, apenas pelos homens), 
  • mas, sim, esse ser que, do interior da linguagem pela qual está cercado, se representa, ao falar, o sentido das palavras ou das proposições que enuncia e se dá, finalmente, a representação da própria linguagem.

Vê-se que as ciências humanas 

  • não são uma análise do que o homem é por natureza; 
  • são antes uma análise que se estende entre o que o homem é em sua positividade (ser que vive, trabalha, fala) e o que permite a esse mesmo ser saber (ou buscar saber) o que é a vida, em que consistem a essência do trabalho e suas leis, e de que modo ele pode falar. 

As ciências humanas ocupam, pois, essa distância que separa (não sem uni-Ias) a biologia, a economia, a filologia daquilo que lhes dá possibilidade no ser mesmo do homem. Seria errôneo, portanto, fazer das ciências humanas o prolongamento, interiorizado na espécie humana, no seu organismo complexo, na sua conduta e na sua consciência, dos mecanismos biológicos; não menos errôneo colocar, no interior das ciências humanas, a ciência da economia e da linguagem (cuja irredutibilidade às ciências humanas é manifestada pelo esforço para constituir uma economia e uma linguística puras). 

De fato, nem as ciências humanas estão no interior dessas ciências, nem as interiorizam, inclinando-as em direção à subjetividade do homem; se as retomam na dimensão da representação, é antes reassumindo-as em sua vertente exterior, deixando-as na sua opacidade, acolhendo como coisas os mecanismos e os funcionamentos que elas isolam, interrogando estes últimos não no que são, mas no que deixam de ser quando se abre o espaço da representação; e, a partir daí, elas mostram como pode nascer e desdobrar-se uma representação do que eles sejam. 

Elas reconduzem sub-repticiamente as ciências da vida, do trabalho e da linguagem, para o lado dessa analítica da finitude que mostra como pode o homem haver-se, no seu ser, com essas coisas que ele conhece e conhecer essas coisas que determinam, na positividade, seu modo de ser. 

Mas aquilo que a analítica requer na interioridade ou ao menos na dependência profunda de um ser que não deve sua finitude senão a si mesmo, as ciências humanas o desenvolvem na exterioridade do conhecimento. 

É por isso que o específico das ciências humanas não é o direcionamento a certo conteúdo (esse objeto singular que é o ser humano); é muito mais um caráter puramente formal: o simples fato de estarem, em relação às ciências em que o ser humano é dado como objeto (exclusivo para a economia e a filologia, ou parcial para a biologia), numa posição de reduplicação, e de que essa reduplicação possa valer a fortiori para elas mesmas.

Essa posição torna-se perceptível em dois níveis: 

  • as ciências humanas não tratam a vida, o trabalho e a linguagem do homem na maior transparência em que se podem dar, mas naquela camada de condutas, de comportamentos, de atitudes, de gestos já feitos, de frases já pronunciadas ou escritas, em cujo interior eles foram dados antecipadamente, numa primeira vez, àqueles que agem, se conduzem, trocam, trabalham e falam; 
  • em outro nível (é sempre a mesma propriedade formal, mas desenvolvida até o ponto extremo e mais raro), é sempre possível tratar, em estilo de ciências humanas (de psicologia, de sociologia, de história das culturas ou das idéias ou das ciências) o fato de haver para certos indivíduos ou certas sociedades alguma coisa como um saber especulativo da vida, da produção e da linguagem – em última análise, uma biologia, uma economia e uma filologia. 

Sem dúvida, isso é apenas a indicação de uma possibilidade que raramente é efetuada e que talvez não seja suscetível, ao nível das empiricidades, de oferecer uma grande riqueza; mas, o fato de que ela existe como distância eventual, como espaço de recuo dado às ciências humanas em relação àquilo mesmo donde elas vêm, o fato também de que esse jogo pode aplicar-se a elas próprias (podem-se sempre fazer as ciências humanas das ciências humanas, a psicologia da psicologia, a sociologia da sociologia etc.) bastam para mostrar sua singular configuração. 

Em relação à biologia, à economia, às ciências da linguagem, elas não estão, portanto, em carência de exatidão ou de rigor; estão antes, como ciências da reduplicação, numa posição “metaepistemológica”. 

Ainda assim, o prefixo não está talvez muito bem escolhido: pois só se fala de metalinguagem quando se trata de definir as regras de interpretação de uma linguagem primeira. 

Aqui as ciências humanas, quando reduplicam as ciências da linguagem, do trabalho e da vida, quando, na sua mais fina extremidade, se reduplicam a si mesmas, não visam a estabelecer um discurso formalizado: ao contrário, elas embrenham o homem que tomam por objeto no campo da finitude, da relatividade, da perspectiva – no campo da erosão indefinida do tempo. 

Talvez fosse melhor falar a seu propósito de posição “ana” ou “hipoepistemológica”; se libertássemos este último prefixo do que pode ter de pejorativo, ele explicaria sem dúvida as coisas: faria compreender que a invencível impressão de fluidez, de inexatidão, de imprecisão que deixam quase todas as ciências humanas não é senão o efeito de superfície daquilo que permite defini-Ias em sua positividade.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Capítulo X – As ciências humanas;
tópico II – A forma das ciências humanas

Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes - abrangências muito diferentes
]
Caos como um tipo de ordem instável
em que as sequências temporais são muito complexas e revelam estruturas
que nos permitem melhor entender o mundo que nos cerca

Designações primitivas
(inoperantes no Instanciamento) 

Representação objeto do Instanciamento
recuperada do Repositório

Ambiente de onde são importados 
os recursos e insumos de todos os tipos,
consumidos durante o Instanciamento

Circuito das trocas 
operação inteiramente no interior do
Domínio do Discurso e da Representação

Circuito das trocas 
operação inteiramente no interior do
Domínio do Discurso e da Representação

Representação da empiricidade 
objeto da operação de Instanciamento
recuperada do Repositório, antes da operação

Representação da empiricidade   
objeto da operação de Instanciamento
recuperada do Repositório, depois da operação

Propriedades da empiricidade 
objeto da operação de Instanciamento
idênticas às da representação recuperada do Repositório,
antes da operação

Propriedades da empiricidade  
objeto da operação de Instanciamento
idênticas às da representação recuperada do Repositório,
depois da operação

Operação de instanciamento de representação
de empiricidade objeto pré-existente no Repositório
(sem alteração no modo de ser fundamental da empiricidade)

Processos, atividades, tasks
suporte da Forma de produção
desencadeados durante a operação de instanciamento

Evento (i) de início
da operação de instanciamento
da representação da empiricidade objeto

Evento (f) de fim  
da operação de instanciamento
da representação da empiricidade objeto

Operação de instanciamento ocorre
sem alteração  no modo de ser fundamental
da empiricidade objeto

Operação de instanciamento ocorre
sem alteração  no modo de ser fundamental
da empiricidade objeto

Domínio do Discurso e da Representação
(perfil amarelo)

Domínio do Pensamento e da Língua
(perfil vermelho)

Visão, utopia,
limite da estratégia, etc

Homem
na posição de sujeito

Compromisso de obtenção 
da representação para esta empiricidade objeto

Operação transcorre
com alteração do modo de ser fundamental
da empiricidade objeto

Empiricidade objeto
(antes da operação)

Propriedades da empiricidade objeto
sim e não originais constitutivas
(inexistentes antes da operação)

Propriedades da empiricidade objeto
sim e não originais constitutivas
(existentes depois da operação) 

Designações primitivas
(ativas e parte da origem da linguagem)

Repositório
linguagem de uso

Evento de início da operação
de construção da representação
para a empiricidade objeto

Evento de fim da operação
de construção da representação
para a empiricidade objeto

Empiricidade objeto 
(depois da operação) 

Forma de produção
(elemento central do modelo de operação)

Processos, atividades, tasks
como elementos de suporte
à Forma de produção

Sucessão de analogias
coleção relacionada de objetos análogos
que compõem representação em construção

Lugar de nascimento do que é empírico

Lugar de nascimento do que é empírico

Domínio do Discurso e da Representação
(perímetro amarelo)

Domínio do Pensamento e da Língua 
(perímetro vermelho)

Representação A
(pré-existente)

Representação B
(pré-existente)

Quadro ordenado
(ordem arbitrária selecionada)

Categoria selecionada na ordem arbitrária
que guarda similitude com aparências

Representação R 
(composição de (a) e (b), pré-existentes)  

Circuito das trocas 

Domínio do Discurso e da Representação 

Domínio do Discurso e da Representação

Circuito das trocas

Pacote de coisas
selecionadas por "aparências" 
Entradas

Evento (i) de início
do instanciamento de (r)  

VC - Volume de controle
espaço orientado onde ocorre a operação

Evento (f) de final
do instanciamento de (r)

Propriedades "aparências" 
não-originais e não-constitutivas das coisas
existentes antes da operação

Propriedades "aparências" 
não-originais e não-constitutivas das coisas
existentes depois da operação

Pacote de coisas
selecionadas por "aparências" 
Saídas 

Paleta de ideias ou elementos de imagem
presentes na configuração de pensamento clássico

Las meninas, Diego Velázquez, 1656; óleo sobre tela; Museu do Prado, Madrid, Espanha

O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

Proposição instanciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
designações primitivas inativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes e ativados; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
recuperada desde o Repositório para objeto desta operação
Proposição explicativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
Proposição enunciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção inexistentes; linguagem de ação ou raiz não contém a representação para essa empiricidade objeto
a proposição no pensamento clássico
ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca
a proposição no pensamento moderno: ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca
ECA-moderno
Características do pensamento moderno
o de depois de 1825
ECA-Clássico
Características do pensamento clássico
o de antes de 1775
homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775,
considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
como um gênero, ou uma espécie
os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
no livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
caminho do Instanciamento da representação, com valor já atribuído;
que tem início novamente no interior do Circuito das trocas
fontes de valor para a representação em construção: a) designações primitivas; b) linguagem de ação ou taiz.

Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
do pensamento
funcionamento das operações no pensamento clássico
Modelo de
Operação de produção
relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
e o sistema Input-Output
do LE da figura.
Modelo da 
Organização de produção
Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
múltiplos sistemas de categorias
Modelo de operações
e de organização
Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
Modelo de  Operação
contábil-financeira
O modelo de operação
no sistema contábil-financeiro
Modelo da  Organização
ponto de vista financeiro
a organização no sistema contábil-financeiro

Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
de operação do pensamento
O funcionamento das operações no pensamento moderno
Modelo de
Operação de produção
relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e 'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'
Modelo da 
Organização de produção
o modelo de organização 'Mapa da atividade semicondutores', da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
instanciamento de representação
O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
do movimento Reengenharia

O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

Assim, estes três pares,

  • função e norma,
  • conflito e regra,
  • significação e sistema,

cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

  • do nível da psicologia,
  • da sociologia
  • ou da análise das linguagens

é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

  • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 III. Os três modelos
Michel Foucault 

O Triedro dos saberes: eixos e faces
espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
O interior ao Triedro dos saberes
o espaço das Ciências humanas

Aquém do objeto

Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

  • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
existem desde sempre e para sempre,
e integram o Universo em uma visão única.

Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

Diante do objeto

No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

  • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

  • Ciências da vida (Biologia):


    função-norma
    ;

  • Ciências do trabalho (Economia):


    conflito-regra;

  • Ciências da Linguagem (Filologia):

    significação-sistema.

Além do objeto

No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

  • da Vida-(Biologia),
  • do Trabalho-(Economia)
  • e da Linguagem-(Filologia).

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

  • Ciências da vida  (Biologia):
    função-norma;

    +
    Ciências do trabalho (Economia):

    conflito-regra;
    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    significação-sistema.

Sob ciências humanas como:

  • economia política;
  • sociologia,
  • psicologia e psicanálise

estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

- Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno - caminho da Construção da representação
- Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
O Lugar de nascimento do que é empírico
lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
O Circuito das trocas
as chaves horizontais amarelas
onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
não se altera

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é
o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

[veja citação 2 à esquerda]

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

3assim também a História,
a partir do século XIX,
define o
lugar de nascimento
do que é empírico,
lugar onde,
aquém
de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

- Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno - caminho da Construção da representação
- Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é
o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

[veja citação 2 à esquerda]

assim também a História,
a partir do século XIX,
define o
lugar de nascimento
do que é empírico,
lugar onde,
aquém de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

Questões/Perguntas

_thumb história do livro

A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,
 – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

tratamento dado ao homem em nossa cultura

Os tratamentos dados ao homem em nossa cultura, no pensamento clássico e no moderno, segundo Michel Foucault; 

e as ideias – ou elementos de imagem – requeridos para compor estruturalmente modelos de operações e modelos de organizações
com os respectivos tratamentos dados ao homem

homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775, considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
como um gênero, ou uma espécie
homem no sistema de operações do pensamento moderno, o de depois de 1825 considerado em sua duplicidade de papéis:
1. raiz e fundamento de toda positividade
2. elemento do que é empírico.

“Instaura-se
uma forma de reflexão
bastante afastada
do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão
segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado,
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
V. O cogito e o impensado
Michel Foucault 

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

“No pensamento clássico,
aquele para quem
a representação existe,
e que nela se representa a si mesmo,
aí se reconhecendo
por imagem ou reflexo,
aquele que trama
todos os fios entrecruzados
da “representação em quadro” -,
esse [o ser do homem]
jamais se encontra lá presente.

Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.

Sem dúvida,
as ciências naturais
trataram do homem como 

  • de uma espécie
  • ou de um gênero

a discussão
sobre o problema das raças,
no século XVIII, o testemunha.
A gramática e a economia,
por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade,
de desejo,
ou de memória
e de imaginação.”

Mas não havia
consciência epistemológica

do homem como tal.

“Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.”

“O modo de ser do homem,
tal como se constituiu
no pensamento moderno,
permite-lhe desempenhar dois papéis:
está, ao mesmo tempo,

  • no fundamento
    de todas as positividades,
  • presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
    no elemento
    das coisas empíricas.

Esse fato
– e não se trata aí
da essência em geral do homem,
mas pura e simplesmente
desse a priori histórico que,
desde o século XIX,
serve de solo quase evidente
ao nosso pensamento –
esse fato é, sem dúvida, decisivo
para o estatuto a ser dado
às “ciências humanas”,
a esse corpo de conhecimentos
(mas mesmo esta palavra
é talvez demasiado forte:
digamos,
para sermos mais neutros ainda,
a esse conjunto de discursos)
que toma por objeto o homem
no que ele tem de empírico.”

É possível pensar as condições em que se dá a subjetividade de um ‘homem’ tratado como espécie, ou gênero?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX – O homem e seus duplos;
II. O lugar do rei
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 I. O triedro dos saberes
Michel Foucault 

Veja o ponto “2. as possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações de troca’ e respectivas possibilidades de análise de valor que elas nos permitem fazer”

Parece ser a opção de leitura da ‘operação de troca’ deslocada para um ponto antes das existência dos objetos da troca o que arrasta o ser do homem e cada objeto da troca para a Forma de reflexão que se instaura em nossa cultura.

as possibilidades de leitura do fenômeno 'operações de troca' e as respectivas possibilidades de análises de valor

O fenômeno ‘operações’ (em qualquer área): visões com duas abrangências muito diferentes dependendo da leitura que fazemos.

As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ – de qualquer tipo – e a análise das diferentes origens do valor carregado pelas proposições para as representações em função da inserção do ponto de início de leitura de ‘operações’; 

Duas visões, duas leituras do fenômeno ‘operações’:
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes – duas abrangências muito diferentes

Note-se que as condições para a ocorrência da troca – a existência simultânea dos dois objetos de troca, o que é dado e o que é recebido – são satisfeitas em duas situações:

  • 1. no pensamento clássico pelo posicionamento do ponto de início de leitura sob essa condição, quer dizer, a existência prévia do que é dado e do que é recebido;
  • 2. no pensamento moderno, pela satisfação dessa pré-condição no início do Instanciamento da representação, porém com a condição da execução anterior da Construção da representação, também incluída no escopo da operação. 

Nos pontos marcados por setas amarelas para baixo (1) e (2) as pré-condições para a ocorrência da troca são dadas, qualquer que seja a estrutura de pensamento – clássico ou moderno – segundo o pensamento de Michel Foucault.

O que não muda entre essas duas possibilidades

A proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações e suas duas possibilidades de carregamento de valor, quanto às respectivas origens

A proposição é para a linguagem
o que a representação é
para o pensamento:
sua forma, ao mesmo tempo
mais geral e mais elementar,
porquanto, desde que a decomponhamos, não reencontraremos mais o discurso,
mas seus elementos
como tantos materiais dispersos.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV  – Falar;
tópico III – Teoria do verbo
Michel Foucault 

(…) Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O que sim muda entre essas duas possibilidades

A origem do valor carregado pelo veículo de carregamento de valor na representação: a proposição, sempre, porém em linguagens essencialmente diferentes e representações com origens de valor distintas.

“Valer, para o pensamento clássico,
é primeiramente valer alguma coisa,
poder substituir essa coisa num processo de troca.

A moeda só foi inventada,
os preços só foram fixados e só se modificam
na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples
apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta,
quando cada um dos dois parceiros
reconhece um valor
para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois,
que as coisas permutáveis,
com seu valor próprio,
existam antecipadamente nas mãos de cada um,
para que a dupla cessão e a dupla aquisição
finalmente se produzam.

Mas, por outro lado,

  • o que cada um come e bebe,
    aquilo de que precisa para viver
    não tem valor
    enquanto não o cede;
  • e aquilo de que não tem necessidade
    é igualmente desprovido de valor
    enquanto não for usado
    para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

  • (atual [troca imediata]
  • ou possível [permutabilidade]),

isto é, no interior

  1. da troca
    [representação existente]
  2. ou da permutabilidade
    [representação possível]
    .

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O funcionamento da troca em cada uma das duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operação’: no ato mesmo da troca; ou anterior à troca, na criação das condições de troca

“Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

  1. leitura já dadas as condições de troca;
  2. leitura na permutabilidade, isto é na criação de condições de troca

1 uma analisa o valor
no ato mesmo da troca,
no ponto de cruzamento
entre o dado e o recebido;

  • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra
    • toda a essência da linguagem no interior da proposição;

3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

2 outra analisa-o
como anterior à troca
e como condição primeira
para que esta possa ocorrer.

  • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das
    • designações primitivas
    • linguagem de ação ou raiz;

4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

fora de si mesma e como que

    • na natureza, ou nas   
    • analogias das coisas;

a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

Esta segunda leitura para ‘operações’
– que orienta a análise de valor
desde antes do momento da troca -,
não é possível sem a presença do homem
na estrutura dos modelos.

Isso fica bastante claro com a descrição da forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Esses dois pontos de inserção da leitura da operação de troca
mostrados nos modelos de operações

Colocando o ponto de inserção de leitura do fenômeno ‘operações’ antes da existência dos objetos envolvidos na troca, ocorre uma portentosa ampliação no escopo da operação – de qualquer natureza -, incorporando toda a etapa de construção de representação nova. Veja isso aqui.

a forma de reflexão que se instaura em nossa cultura

o lugar onde ocorrem as operações de troca tais como as vemos nas leituras que fazemos

- Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno - caminho da Construção da representação
- Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
O Lugar de nascimento do que é empírico
lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
O Circuito das trocas
as chaves horizontais amarelas
onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
não se altera

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é
o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

[veja citação 2 à esquerda]

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

3assim também a História,
a partir do século XIX,
define o
lugar de nascimento
do que é empírico,
lugar onde,
aquém
de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

Questões/Perguntas

_thumb história do livro

A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,  – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço no caminho,
encontradas por Foucault durante seu trabalho no livro
‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’

exemplos de modelos de operações e de organizações muito usados ainda hoje, mostrando esses dois obstáculos presentes entre nós atualmente.

os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
Michel Foucault
1926-1984

“Eis que nos adiantamos
bem para além do acontecimento histórico
que se impunha situar
– bem para além das margens cronológicas dessa ruptura
que divide, em sua profundidade,
a epistémê do mundo ocidental
e isola para nós o começo de certa
maneira moderna de conhecer as empiricidades.

É que o pensamento que nos é contemporâneo
e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
se acha ainda muito dominado

1 pela impossibilidade
trazida à luz por volta 
do fim do século XVIII, 
de fundar as sínteses
no espaço da representação:

2 e pela obrigação 
correlativa, simultânea, 

mas logo dividida contra si mesma, 
de abrir o campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, 
para além do objeto, 

esses “quase-transcendentais” 
que são para nós 
Vida, o Trabalho, a Linguagem.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;

Capítulo VIII – Trabalho, vida e linguagem;
tópico I – As novas empiricidades

no pensamento clássico
aquém do objeto
antes de 1775

no pensamento moderno
diante do objeto
depois de 1825

espaço interior
Triedro dos saberes
para além do objeto
reservado às
Ciências humanas

comparações de diferentes configurações de pensamento feitas por Michel Foucault
A impossibilidade
[no pensamento clássico,
LE da figura]
contra a sim-possibilidade
[no pensamento moderno,
LD da figura]
de fundar as sínteses
[da empiricidade objeto]
no espaço da representação.
o espaço interno do
Triedro dos saberes
– o habitat das ciências humanas –
mostrando o modelo constituinte composto e comum a todas as Ciências Humanas

Os obstáculos no caminho de Foucault 

aquém do objeto

diante do objeto

para além do objeto

0 Foucault havia anteriormente identificado o perfil do pensamento no período clássico, com uma configuração tal que a capacidade (ou a possibilidade – e mesmo a intenção) de fundar as sínteses – dos objetos de operações cujas representações resultassem dessas operações – no espaço da representação não era sequer cogitada:

  • em razão dos pressupostos adotados,

e principalmente, em razão 

  • do tipo de leitura feita do fenômeno ‘operações’ das trocas, 
    • na leitura então feita, o ponto de início do fenômeno  ‘operações’, estava inserido no exato momento em que a troca tem todas as condições para acontecer; (os dois objetos da troca – o dado e o obtido –  tinham representações disponíveis e já carregadas de valor).

1 Michel Foucault relata a seguinte situação:

  • ele havia delineado um tipo de pensamento ‘com o qual queiramos ou não pensamos’, um pensamento que segundo ele ‘tem a nossa idade e a nossa geografia’,
    • com a possibilidade de fundar as sínteses (da empiricidade objeto da operação) no espaço da representação;

para conseguir fundar as sínteses no espaço da representação,

  • foi necessário alterar profundamente todos os pressupostos

e a leitura feita do que seja uma operação e a análise de valor, exigiram:

  • o deslocamento do ponto de inserção da análise desde o ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
  • para um ponto antes da possibilidade da troca, quando os elementos que dão as condições de efetivação dessa troca, ainda não existissem,

incorporando à análise, a operação de construção da representação nova. 

E ele havia percebido que esse pensamento com o qual queiramos ou não pensamos

  • estava muito contaminadodominado, mesmo –
    • justamente pela impossibilidade de fazer isso (essa fundação das sínteses do objeto da operação no espaço da representação), sendo esta impossibilidade  uma característica do pensamento clássico.

2 Ele percebia ainda uma obrigação a cumprir:

  • a de abrir o campo transcendental da subjetividade
    • e constituir, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem.

Ele descobre que operações nos domínios das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem podem ser expressos completamente em cada domínio, por pares de modelos constituintes:

  • Vida(Biologia)
    • função-norma;
  • Trabalho(Economia)
    • conflito-regra;
  • Linguagem(Filologia)
    • significação sistema;

e que os modelos constituintes das Ciências humanas são sempre compostos por uma combinação desses três pares de modelos constituintes.

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

  • Ciências da vida  (Biologia):
    [função-norma];

    +
    Ciências do trabalho (Economia):
    [conflito-regra];
    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    [significação-sistema].

Podemos ver a atualidade dessa percepção de Foucault
com Exemplos de modelos para operações e organizações
construídos sobre estruturas de conceitos
uns que não permitem, e outros que ao contrário sim permitem
a fundação das sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação.

Veja isso aqui.

Os tratamentos dados ao homem em nossa cultura, no pensamento clássico e no moderno, segundo Michel Foucault; 

e as ideias – ou elementos de imagem – requeridos para compor estruturalmente modelos de operações e modelos de organizações
com os respectivos tratamentos dados ao homem

homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775, considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
como um gênero, ou uma espécie
homem no sistema de operações do pensamento moderno, o de depois de 1825 considerado em sua duplicidade de papéis:
1. raiz e fundamento de toda positividade
2. elemento do que é empírico.

“Instaura-se
uma forma de reflexão
bastante afastada
do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão
segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado,
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
V. O cogito e o impensado
Michel Foucault 

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

“No pensamento clássico,
aquele para quem
a representação existe,
e que nela se representa a si mesmo,
aí se reconhecendo
por imagem ou reflexo,
aquele que trama
todos os fios entrecruzados
da “representação em quadro” -,
esse [o ser do homem]
jamais se encontra lá presente.

Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.

Sem dúvida,
as ciências naturais
trataram do homem como 

  • de uma espécie
  • ou de um gênero

a discussão
sobre o problema das raças,
no século XVIII, o testemunha.
A gramática e a economia,
por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade,
de desejo,
ou de memória
e de imaginação.”

Mas não havia
consciência epistemológica

do homem como tal.

“Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.”

“O modo de ser do homem,
tal como se constituiu
no pensamento moderno,
permite-lhe desempenhar dois papéis:
está, ao mesmo tempo,

  • no fundamento
    de todas as positividades,
  • presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
    no elemento
    das coisas empíricas.

Esse fato
– e não se trata aí
da essência em geral do homem,
mas pura e simplesmente
desse a priori histórico que,
desde o século XIX,
serve de solo quase evidente
ao nosso pensamento –
esse fato é, sem dúvida, decisivo
para o estatuto a ser dado
às “ciências humanas”,
a esse corpo de conhecimentos
(mas mesmo esta palavra
é talvez demasiado forte:
digamos,
para sermos mais neutros ainda,
a esse conjunto de discursos)
que toma por objeto o homem
no que ele tem de empírico.”

É possível pensar as condições em que se dá a subjetividade de um ‘homem’ tratado como espécie, ou gênero?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX – O homem e seus duplos;
II. O lugar do rei
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 I. O triedro dos saberes
Michel Foucault 

Veja o ponto “2. as possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações de troca’ e respectivas possibilidades de análise de valor que elas nos permitem fazer”

Parece ser a opção de leitura da ‘operação de troca’ deslocada para um ponto antes das existência dos objetos da troca o que arrasta o ser do homem e cada objeto da troca para a Forma de reflexão que se instaura em nossa cultura.

O fenômeno ‘operações’ (em qualquer área): visões com duas abrangências muito diferentes dependendo da leitura que fazemos.

As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ – de qualquer tipo – e a análise das diferentes origens do valor carregado pelas proposições para as representações em função da inserção do ponto de início de leitura de ‘operações’; 

Duas visões, duas leituras do fenômeno ‘operações’:
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes – duas abrangências muito diferentes

Note-se que as condições para a ocorrência da troca – a existência simultânea dos dois objetos de troca, o que é dado e o que é recebido – são satisfeitas em duas situações:

  • 1. no pensamento clássico pelo posicionamento do ponto de início de leitura sob essa condição, quer dizer, a existência prévia do que é dado e do que é recebido;
  • 2. no pensamento moderno, pela satisfação dessa pré-condição no início do Instanciamento da representação, porém com a condição da execução anterior da Construção da representação, também incluída no escopo da operação. 

Nos pontos marcados por setas amarelas para baixo (1) e (2) as pré-condições para a ocorrência da troca são dadas, qualquer que seja a estrutura de pensamento – clássico ou moderno – segundo o pensamento de Michel Foucault.

O que não muda entre essas duas possibilidades

A proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações e suas duas possibilidades de carregamento de valor, quanto às respectivas origens

A proposição é para a linguagem
o que a representação é
para o pensamento:
sua forma, ao mesmo tempo
mais geral e mais elementar,
porquanto, desde que a decomponhamos, não reencontraremos mais o discurso,
mas seus elementos
como tantos materiais dispersos.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV  – Falar;
tópico III – Teoria do verbo
Michel Foucault 

(…) Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O que sim muda entre essas duas possibilidades

A origem do valor carregado pelo veículo de carregamento de valor na representação: a proposição, sempre, porém em linguagens essencialmente diferentes e representações com origens de valor distintas.

“Valer, para o pensamento clássico,
é primeiramente valer alguma coisa,
poder substituir essa coisa num processo de troca.

A moeda só foi inventada,
os preços só foram fixados e só se modificam
na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples
apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta,
quando cada um dos dois parceiros
reconhece um valor
para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois,
que as coisas permutáveis,
com seu valor próprio,
existam antecipadamente nas mãos de cada um,
para que a dupla cessão e a dupla aquisição
finalmente se produzam.

Mas, por outro lado,

  • o que cada um come e bebe,
    aquilo de que precisa para viver
    não tem valor
    enquanto não o cede;
  • e aquilo de que não tem necessidade
    é igualmente desprovido de valor
    enquanto não for usado
    para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

  • (atual [troca imediata]
  • ou possível [permutabilidade]),

isto é, no interior

  1. da troca
    [representação existente]
  2. ou da permutabilidade
    [representação possível]
    .

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O funcionamento da troca em cada uma das duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operação’: no ato mesmo da troca; ou anterior à troca, na criação das condições de troca

“Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

  1. leitura já dadas as condições de troca;
  2. leitura na permutabilidade, isto é na criação de condições de troca

1 uma analisa o valor
no ato mesmo da troca,
no ponto de cruzamento
entre o dado e o recebido;

  • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra
    • toda a essência da linguagem no interior da proposição;

3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

2 outra analisa-o
como anterior à troca
e como condição primeira
para que esta possa ocorrer.

  • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das
    • designações primitivas
    • linguagem de ação ou raiz;

4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

fora de si mesma e como que

    • na natureza, ou nas   
    • analogias das coisas;

a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

Esta segunda leitura para ‘operações’
– que orienta a análise de valor
desde antes do momento da troca -,
não é possível sem a presença do homem
na estrutura dos modelos.

Isso fica bastante claro com a descrição da forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Esses dois pontos de inserção da leitura da operação de troca
mostrados nos modelos de operações

Colocando o ponto de inserção de leitura do fenômeno ‘operações’ antes da existência dos objetos envolvidos na troca, ocorre uma portentosa ampliação no escopo da operação – de qualquer natureza -, incorporando toda a etapa de construção de representação nova. Veja isso aqui.

As características das duas configurações do pensamento:

  • a do pensamento clássico, de antes de 1775;
  • e a do pensamento moderno, de depois de 1825

características de características, ou características de segunda ordem,
das configurações do pensamento em cada caso.

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

_Estrutura IO-transformação
Os princípios organizadores
sob o pensamento clássico:
o de antes de 1775
‘Caráter’ e ‘Similitude’
Características do pensamento clássico, o de antes de 1775
Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
o de depois de 1825
‘Analogia’ e ‘Sucessão’
Características do pensamento moderno, o de depois de 1825

“Instaura-se
uma forma de reflexão
bastante afastada
do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão
segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado,
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
V. O cogito e o impensado
Michel Foucault 

“Assim o círculo se fecha.

Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

Mas que são esses sinais? 

Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

  • que há aqui um caráter 

no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

  • – É a semelhança

Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

  • o signo da simpatia resida na analogia, 
  • o da analogia na emulação, 
  • o da emulação na conveniência, 

que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

  • a marca da simpatia… 

A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

De sorte que se vêem surgir,
como princípios organizadores
desse espaço de empiricidades, 

  • a Analogia 
  • e a Sucessão

de uma organização a outra,
o liame, com efeito,
não pode mais ser
a identidade de um
ou vários elementos,
mas a identidade
da relação entre os elementos
(onde a visibilidade
não tem mais papel)
e da função que asseguram;
ademais, se porventura essas organizações se avizinham
por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
localizações próximas
num espaço de classificação,
mas sim porque
foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
no devir das sucessões.
Enquanto, no pensamento clássico,
a seqüência das cronologias
não fazia mais que percorrer
o espaço prévio e mais fundamental
de um quadro
que de antemão apresentava
todas as suas possibilidades,
doravante
as semelhanças contemporâneas
e observáveis simultaneamente
no espaço não serão mais que
as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
de analogia em analogia.
A ordem clássica
distribuía num espaço permanente
as identidades
e as diferenças não-quantitativas
que separavam e uniam as coisas:
era essa a ordem
que reinava soberanamente,
mas a cada vez
segundo formas e leis
ligeiramente diferentes,
sobre o discurso dos homens,
o quadro dos seres naturais
e a troca das riquezas.

A partir do século XIX,
a História
vai desenrolar
numa série temporal
as analogias
que aproximam umas das outras
as organizações distintas.

É essa História que,
progressivamente,
imporá suas leis

  • à análise da produção,
  • à dos seres organizados, enfim,
  • à dos grupos linguísticos.

A História dá lugar
às organizações analógicas,
assim como a Ordem
abria o caminho
das identidades
e das diferenças sucessivas.

Essa forma de reflexão surgida será decorrência da segunda leitura do que seja uma operação de troca e portanto não pode prescindir do homem e do objeto?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo II – A prosa do mundo;
II. As assinalações
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

os lugares onde ocorrem as operações: 

  • Lugar de nascimento do que é empírico
    – operações de Construção de representações;
    • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades sim muda
  • Circuito onde ocorrem as trocas‘ ou Mercado
    – operações de Instanciamento de representações já existentes;
    • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.
Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno – caminho da Construção da representação
Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, apenas no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, e apenas no caminho da Construção da representação

O ‘Circuito das trocas’,
ou ‘Mercado’
as chaves amarelas no LE da figura, lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
O Lugar de nascimento do que é empírico – fora e antes do Mercado –
lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
e onde se dá a articulação
do pensamento do homem,
com o impensado
O Circuito das trocas
as chaves horizontais amarelas
no LD da figura, onde ocorrem operações durante as quais
o ‘modo de ser fundamental’
não se altera; é novamente o Mercado, agora no pensamento moderno

‘modo de ser fundamental das empiricidades’ é o conceito chave aqui.

No pensamento clássico, o de antes de 1775, pelos pressupostos adotados, é impossível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades cuja definição escapa ao escopo destas operações.

Estas operações transcorrem no interior do Circuito das trocas, a chave amarela horizontal, lugar onde não há alteração no modo como as coisas se apresentam à operação.

No pensamento moderno, o de depois de 1825, pelos pressupostos adotados é sim possível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades objeto da operação de Construção da representação que, se nova nesse domínio e ambiente, é o próprio escopo destas operações.

Operações no caminho da Construção da representação transcorrem no interior do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, as chaves coloridas verticais, em um espaço que engloba os lugares  desde onde se fala e do falado. O sucesso dessas operações altera ‘o modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto, e com isso, faz-se História.

No pensamento moderno, o de depois de 1825, em uma operação de Instanciamento de representação objeto cuja construção da representação foi anteriormente feita e incorporada ao Repositório, a representação objeto de Instanciamento é recuperada do Repositório.

Assim, a operação de Instanciamento não altera o ‘modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto de instanciamento.

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é

o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber

para eventuais conhecimentos
e para ciências possíveis.

3 assim também
a História,
a partir do século XIX,
define o

lugar de nascimento
do que é empírico,

lugar onde,
aquém
de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

os princípios organizadores dos modelos de operações que fazemos

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

_Estrutura IO-transformação
Os princípios organizadores
sob o pensamento clássico:
o de antes de 1775
‘Caráter’ e ‘Similitude’
Características do pensamento clássico
o de antes de 1775

“Assim o círculo se fecha.

Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

Mas que são esses sinais? 

Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

  • que há aqui um caráter 

no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

  • – É a semelhança

Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

  • o signo da simpatia resida na analogia, 
  • o da analogia na emulação, 
  • o da emulação na conveniência, 

que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

  • a marca da simpatia… 

A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
o de depois de 1825
‘Analogia’ e ‘Sucessão’
Características do pensamento moderno
o de depois de 1825

De sorte que se vêem surgir,
como princípios organizadores
desse espaço de empiricidades, 

  • a Analogia 
  • e a Sucessão

de uma organização a outra,
o liame, com efeito,
não pode mais ser
a identidade de um
ou vários elementos,
mas a identidade
da relação entre os elementos
(onde a visibilidade
não tem mais papel)
e da função que asseguram;
ademais, se porventura essas organizações se avizinham
por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
localizações próximas
num espaço de classificação,
mas sim porque
foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
no devir das sucessões.
Enquanto, no pensamento clássico,
a seqüência das cronologias
não fazia mais que percorrer
o espaço prévio e mais fundamental
de um quadro
que de antemão apresentava
todas as suas possibilidades,
doravante
as semelhanças contemporâneas
e observáveis simultaneamente
no espaço não serão mais que
as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
de analogia em analogia.
A ordem clássica
distribuía num espaço permanente
as identidades
e as diferenças não-quantitativas
que separavam e uniam as coisas:
era essa a ordem
que reinava soberanamente,
mas a cada vez
segundo formas e leis
ligeiramente diferentes,
sobre o discurso dos homens,
o quadro dos seres naturais
e a troca das riquezas.

A partir do século XIX,
a História
vai desenrolar
numa série temporal
as analogias
que aproximam umas das outras
as organizações distintas.

É essa História que,
progressivamente,
imporá suas leis

  • à análise da produção,
  • à dos seres organizados, enfim,
  • à dos grupos linguísticos.

A História dá lugar
às organizações analógicas,
assim como a Ordem
abria o caminho
das identidades
e das diferenças sucessivas.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo II – A prosa do mundo;
II. As assinalações
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

os lugares contidos dentro do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’:

  • o lugar ‘desde onde se fala
  • e o lugar ‘do falado‘;

consistentes com os blocos do ‘operar‘ e do ‘suporte ao operar‘ de Humberto Maturana

Esses dois lugares – o ‘desde onde se fala’ e o ‘do falado’ –
juntos delimitam o espaço onde se dá a articulação
do pensamento do homem com o impensado feita
no domínio do Pensamento e da Língua
e sua ligação com o domínio do Discurso e da Representação

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

O ‘Circuito das trocas’, ou ‘Mercado’
lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico

Lugar desde onde se fala

Lugar do falado

são sub-espaços do Lugar de nascimento do que é empírico o que implica que o pensamento está funcionando com o entendimento do pensamento moderno, o de depois de 1825, a coluna ao lado, portanto.

  • Lugar desde onde se fala não pode ser delineado sob o pensamento clássico pela falta da ideia e do elemento de imagem ‘homem’, aquele que fala, raiz e fundamento de toda positividade, e também da ideia do objeto resultado da articulação do pensamento com o impensado, feita pelo homem,;
  • e o Lugar do falado, analogamente, não pode ser delineado no LE da figura. 

todo o espaço  corresponde, no LE da figura, ao domínio todo em que ocorrem as operações sob o pensamento clássico, a saber, o domínio do Discurso e da Representação.

A leitura do que sejam Operações sob o entendimento no pensamento clássico pressupõe o ponto de inserção para análise no exato cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca, cuja condição de possibilidade está, desse modo, dada.

Lugar deste onde se fala:
ideias que formulam a proposição /
(sujeito e predicado do sujeito);
Lugar do falado:
ideias que dão suporte na experiência ao instanciamento da representação
no domínio e ambiente

Lugar do nascimento do que é empírico: espaço ocupado por:

  • Lugar desde onde se fala;
  • Lugar do falado

O Lugar de nascimento do que é empírico, como o nome sugere, está situado antes do circuito das trocas, e em seu interior ocorre a construção de representação nova.

Essa visão do que sejam operações corresponde à leitura de operações, ou visão desse fenômeno como desde um ponto de inserção anterior à troca

Lugar desde onde se fala

As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidas na formulação da proposição estão contidas no espaço chamado de Lugar desde onde se fala:

  • sujeito: o homem na posição de raiz de toda positividade
  • predicado do sujeito
    • verbo: Forma de produção, o elemento central da operação de construção da representação;
    • atributo: a representação em construção, nas posições extremas da operação de construção.

Esse espaço coincide com o espaço chamado por Humberto Maturana de ‘operar’, o retângulo vermelho na figura ao lado, parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas no interior do domínio do Pensamento e da Língua.

Lugar do falado

As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidos na sustentação da Forma de produção na experiência estão no lugar do falado:

  • elementos de suporte na experiência à Forma de produção, onde se encontram
    • processos, atividades, tasks

A operação de construção da representação escolhe os elementos de suporte na experiência à Forma de produção, que deve ser capaz de produzir quando implementada, uma instância da representação com o operar vislumbrado – ou o mais próximo disso possível. Humberto Maturana chama esse espaço de ‘suporte ao operar’, o retângulo amarelo na figura ao lado. 

O Lugar do falado é parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas suas ideias – ou elementos de imagem – fazem parte do domínio do Discurso e da Representação.

“É preciso, portanto,
tratar esse verbo
como um ser misto,

ao mesmo tempo
palavra entre as palavras,

preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência
e de concordância;


e depois,


em recuo em relação a elas todas,

numa região que

  • não é
    aquela do falado

  • mas aquela 
    donde se fala.

Ele está na orla do discurso,
na juntura entre

  • aquilo que é dito

  • e aquilo que se diz,

exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

Há correspondências que precisam ser anotadas, entre elas:

  • no princípio dual de trabalho de David Ricardo
    • aquela atividade que está na origem do valor das coisas 
    • tem suas ideias – ou seus elementos de imagem no lugar desde onde se fala
  • no LD – lado direito da figura 2 de Humberto Maturana
    • os dois blocos do ‘Explicar com Reformular’ em que Maturana divide suas explicações
      • sobre o que acontecia com o ser vivo,
      • e o modo como ele o via no seu espaço de distinções
    • correspondem apropriadamente com o que Foucault chama respectivamente de 
      • Lugar desde onde se fala e 
      • Lugar do falado.

Processo e Mercado são os conceitos largamente utilizados;
e ao mesmo tempo não se ouve falar 

  • em Forma de produção
  • ou em Lugar de nascimento do que é empírico,
  • e menos ainda em Nexo da produção

como ideias – ou elementos de imagem – em modelos de operações e organizações

no pensamento clássico
aquém do objeto
antes de 1775

no pensamento moderno
diante do objeto
depois de 1825

espaço interior Triedro dos saberes
para além do objeto
reservado às Ciências humanas

Aquém do objeto:
Processo

Diante do objeto:
Forma de produção

Além do objeto
Nexo da operação

o elemento central em operações
no pensamento clássico
Processo
o elemento central em operações
no pensamento moderno
Forma de produção
o Nexo da produção,
o elemento central do modelo de organização no formato SSS
  • Elemento central:
    • Processo

entendido sob o primeiro conceito de verbo explicado por Michel Foucault, como elemento gerador de um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si, que o mais que faz é indicar a coexistência de duas representações.

  • característica emergente: 
    • fluxo
  • metáfora 
    • transformação única
  • Elemento central:
    • Forma de produção

entendida sob o segundo conceito de verbo explicado por Michel Foucault, tratado como um ser misto, inicialmente palavra entre palavras, preso às mesmas regras às mesmas regras, obedecendo como elas às mesmas leis de regência e concordância, e depois, em recuo em relação a elas todas, numa região que não é aquela do falado, mas aquela donde se fala.

  • característica emergente:
    • permanência
  • metáfora
    • conversão ou duas transformações
  • Elemento central:
    • Nexo da produção

a formulação para além do objeto associa o sistema cujo resultado é o produto, aquilo que se quer obter, com o instrumento imprescindível para obtê-lo.

  • propriedades emergentes:
    • simetria, simbiose e sinergia

Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais nada, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Verbo’;
para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

Ideias – ou elementos de imagem – centrais no LE e no LD da figura
Processo o elemento central no pensamento clássico
Forma de produção o elemento central no pensamento moderno, com as
designações primitivas e a linguagem de ação ou raiz

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

Aquém do objeto

Conceito de Verbo ‘Processo’
na configuração de pensamento
do período clássico, antes de 1775

Verbo como
Processo

“A única coisa que o verbo afirma
é a coexistência de duas representações:
por exemplo, 

  • a do verde
    e da árvore,

  • a do homem
    e da existência

    ou da morte; 

é por isso que
o tempo dos verbos

não indica
aquele [tempo]

em que as coisas existiram
no absoluto,

mas um sistema relativo
de anterioridade ou de simultaneidade
das coisas entre si.”

Diante e Além do objeto

Conceito de Verbo ‘Forma de produção’
na configuração de pensamento
do período moderno, depois de 1825

Verbo como
Forma de produção

“É preciso, portanto,
tratar esse verbo
como um ser misto,

ao mesmo tempo
palavra entre as palavras,

preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência
e de concordância;


e depois,


em recuo em relação a elas todas,

  • numa região que não é
    aquela do falado

  • mas aquela
    donde se fala.

Ele está na orla do discurso,
na juntura entre

  • aquilo que é dito

  • e aquilo que se diz,

exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”

Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, para o que seja um ‘Verbo’, e a total consistência entre o segundo conceito/tratamento e ‘Forma de produção’

  • por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Classificar’;
para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

Aquém
do objeto

O conceito de ‘Classificar’
no pensamento clássico
o de antes de 1775

‘Classificar’
no pensamento clássico

Aquém do objeto,
isto é,
no pensamento filosófico Classico
o de antes de 1775

nessa faixa do espectro de modelos
que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

Classificar
é referir

  • o visível
  • a si mesmo,

encarregando um dos elementos
de representar os outros.”

Diante e Além
do objeto

O conceito de ‘Classificar’
no pensamento moderno
o de depois de 1825

‘Classificar’
no pensamento moderno

Diante, e Além do objeto, 
isto é, 
no pesamento filosófico moderno,
o de depois de 1825

nessa faixa do espectro de modelos 
que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

“Em um movimento
que faz revolver a análise

Classificar
é referir

  • o visível 
  • ao invisível 

– como a sua razão profunda -, 

e depois,
alçar de novo
dessa secreta arquitetura,
em direção aos seus
sinais manifestos,
que são dados
à superfície dos corpos.”

Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

pares de modelos constituintes das ciências do eixo epistemológico fundamental

  • da Vida(Biologia) [função-norma],
  • do Trabalho(Economia) [conflito-regra]
  • e da Linguagem(Filologia) [significação-sistema]

e o modelo constituinte padrão, comum a todas das ciências humanas; um modelo composto por uma combinação entre esses três pares de modelos constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem

no pensamento clássico
antes de 1775
aquém do objeto

no pensamento moderno
depois de 1825
diante do objeto

no pensamento moderno
também depois de 1825
para além do objeto

não há modelos constituintes sob o pensamento clássico

O Triedro dos saberes: eixos e faces
espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
O interior ao Triedro dos saberes
o espaço das Ciências humanas

Aquém do objeto

Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
existem desde sempre e para sempre,
e integram o Universo em uma visão única.

Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

Diante do objeto

A modelagem em cada área do saber é feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

  • Ciências da vida (Biologia):


    [função-norma]
    ;

  • Ciências do trabalho (Economia):


    [conflito-regra];

  • Ciências da Linguagem (Filologia):

    [significação-sistema].

Além do objeto

No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências
da Vida
-(Biologia), do Trabalho-(Economia) e da Linguagem-(Filologia).

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

  • Ciências da vida  (Biologia):
    [função-norma];

    +
    Ciências do trabalho (Economia):
    [conflito-regra];

    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    [significação-sistema].

Proposição: o bloco construtivo

  • padrão,
  • genérico
  • e fundamental

oferecido pela gramática da língua para construção de representações.

Esse bloco construtivo ‘proposição’ carrega valor para as representações, mas faz isso de ao menos dois modos diferentes e com duas visões distintas para o que sejam ‘operações’.

“Valer, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que

  • a dupla cessão
  • e a dupla aquisição

finalmente se produzam.

Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra,

  • é preciso que elas existam já carregadas de valor;
    • e, contudo, o valor só existe no interior da representação
      (atual ou possível), isto é,
    • no interior da troca ou da permutabilidade.

“A proposição é
para a linguagem
o que a representação é
para o pensamento
sua forma,
ao mesmo tempo
mais geral
e mais elementar
porquanto,
desde que a decomponhamos,
não encontremos mais o discurso
mas seus elementos
como tantos materiais dispersos

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. IV – Falar;
tópico: III – A teoria do verbo
Michel Foucault

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

a proposição no pensamento clássico
ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca

a toda a essência da linguagem  encerrada – diretamente – na própria proposição;

junto com esse ‘encerramento’ vão as ideias – ou elementos de imagem – necessários para a formulação da proposição, que assim, não participam do modelo de operações.

a proposição no pensamento moderno ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca

a descoberta da essência da linguagem  fora dela mesma, linguagem; a proposição formulada no modelo por suas ideias ou elementos de imagem presentes; inicialmente vazia, apenas um enunciado, é preenchida de valor a partir de duas fontes:

  • as designações primitivas;
  • a linguagem de ação ou raiz

ambas assinaladas na figura.

“Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

1 uma analisa o valor

  • no ato mesmo da troca,

no ponto de cruzamento
entre o dado e o recebido;

  • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da
    • proposição;

3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

2 outra analisa-o

  • como anterior à troca 

e como condição primeira
para que esta possa ocorrer.

  • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem
    do lado das
    • designações primitivas
    • linguagem de ação ou raiz;

4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

  • fora de si mesma e como que
    • na natureza, ou nas   
    • analogias das coisas;

a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor,

  • antes da troca
  • e das medidas recíprocas da necessidade.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

Ideias – ou elementos de imagem – requeridos para a
Formulação da proposição, e valor carregado 

Ideias – ou elementos de imagem requeridos para formulação da proposição ausentes da estrutura do modelo de operação.

Valor carregado diretamente na proposição.

impossibilidade de formulação da proposição com ideias – ou elementos de imagem – requeridos, pela ausência do homem em sua duplicidade de papéis, e pela noção de objeto descrito por suas propriedades originais e constitutivas.

Proposição formulada com ideias ou elementos de imagem pertencentes à estrutura interna do modelo de operações;

Valor carregado pela proposição com origem fora da linguagem

  • designações primitivas

a busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, para a representação da empiricidade objeto no domínio e ambiente em que a operação acontece. 

  • linguagem de ação ou raiz

todo o conteúdo do Repositório de proposições explicativas da experiência formuladas de acordo com as regras da língua, à disposição da construção de novas representações.

Os tipos de sistemas que dão suporte a operações,
em função da configuração do pensamento:

  • no pensamento clássico: o sistema Input-Output, ou um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si;
  • no pensamento moderno: um sistema construído no interior do Lugar de nascimento do que é empírico, lugar onde as empiricidades objeto das operações adquirem ‘o ser que lhes é próprio’.

no pensamento clássico
antes de 1775
verbo ‘Processo

no pensamento moderno
depois de 1825
verbo ‘Forma de produção

questão/pergunta

Operação clássica sob o conceito de Verbo ‘Processo’
na configuração de pensamento
do período clássico, antes de 1775

“A única coisa
que o verbo afirma

é a coexistência de duas representações:
por exemplo, 

  • a do verde
    e da árvore,

  • a do homem
    e da existência

    ou da morte; 

é por isso
que o tempo dos verbos

não indica
aquele [tempo]

em que as coisas existiram
no absoluto,

mas um sistema relativo
de anterioridade ou de simultaneidade
das coisas entre si.”

Operação moderna sob o conceito de
Verbo ‘Forma de produção’
na configuração de pensamento
do período moderno, depois de 1825

“É preciso, portanto,
tratar esse verbo
como um ser misto,

ao mesmo tempo
palavra entre as palavras,

preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência
e de concordância;


e depois,


em recuo em relação a elas todas,

  • numa região que não é
    aquela do falado

  • mas aquela
    donde se fala.

Ele está na orla do discurso,
na juntura entre

  • aquilo que é dito

  • e aquilo que se diz,

exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

O tipo de sistema

O conceito acima é explícito em fornecer uma descrição do tipo de sistema para operações sob o pensamento clássico.

Trata-se de 

  • um sistema relativo
    de anterioridade ou de simultaneidade
    das coisas entre si; 

uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

asdf

Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

O tipo de leitura

asdf

Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

asdf

Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

o tempo nas operações, em função dos sistemas
em cada segmento do espectro de modelos

no pensamento clássico
antes de 1775
aquém do objeto

no pensamento moderno
depois de 1825
diante e para além do objeto

no pensamento moderno
também depois de 1825
diante e para além do objeto

formulação reversível
e somente 
instanciamento
da representação;
deus Chronos

formulação irreversível
e operação de construção
da representação 
deus Kairós

formulação reversível
 e operação instanciamento
da representação
deus Chronos

pensamento clássico, o de antes de 1775
tempo calendário no sistema Input-Output
operação de instanciamento de representação anteriormente formulada
pensamento moderno, o de depois de 1825
tempo absoluto sistema absoluto
no caminho da Construção da representação
pensamento moderno, o de depois de 1825
tempo relativo, sistema relativo ou absoluto,
no caminho do Instanciamento da representação

Aquém do objeto

Diante ou para além do objeto

Nota: a existência precede as distinções feitas na operação.

Tempo na formulação e no instanciamento da representação:

  • formulação reversível durante a formulação;
  • tempo calendário, ou tempo relativo no sentido de que
    • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f),
    • a posição calendário do outro evento (f) ou (i) pode ser calculada com as propriedades aparentes disponíveis antes e depois da operação;
  • irreversibilidades somente na etapa de instanciamento da representação

Não há nada que possa ser afirmado, posto, disposto e repartido no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis e assim não se pode falar em ‘modo de ser fundamental’ do que quer que seja. 

Assim, no pensamento clássico, não é possível adotar esse conceito ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ como elemento ordenador da história, que é compreendida como sucessão de fatos assim como se sucedem.

caminho da
Construção da representação
Nota: a existência se constitui com as distinções feitas na operação

Durante essa operação, a empiricidade objeto da operação, sim, muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

Tempo no caminho da Construção da representação, durante a formulação da representação:

  • formulação irreversível durante a formulação;
  • tempo absoluto no sentido de que a empiricidade objeto ‘assume o ser que lhe é próprio’ em decorrência da operação, e então:
    • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f)
    • não é possível o cálculo da inserção calendário do outro evento (f) ou (i) a partir dessa inserção calendário do evento anterior em virtude da não disponibilidade das propriedades antes/depois da operação;
  •  irreversibilidades ocorrem na formulação da operação de construção da representação.

A empiricidade objeto da operação tem um novo ‘modo de ser fundamental’, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’.

Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da história, durante esse tipo de operações, sim, faz-se história.

 caminho do
Instanciamento da representação

Nota: a existência volta a preceder as distinções feitas na operação.
 

Durante essa operação a empiricidade objeto não muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

Tempo  no caminho do Instanciamento da representação previamente existente no Repositório e dele recuperada para a posição de empiricidade objeto na presente operação de instanciamento:

  • formulação volta a ser reversível; (é possível descartar uma formulação de instanciamento e formular outra com novas escolhas, sem perdas;
  • tempo volta a ser tempo calendário, ou tempo relativo;
  • irreversibilidades no caminho do Instanciamento da representação ocorrem em decorrência do desencadeamento dos elementos de suporte na experiência à Forma de produção.

A empiricidade objeto da operação tem exatamente o mesmo ‘modo de ser fundamental’ com que foi recuperada do repositório, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’ exatamente da mesma forma como havia sido acrescentada ao repositório.

Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da História, durante esse tipo de operações não se faz história.

Modelagem de operações e organizações organizadas pelo par sujeito-objeto, com operações específicas e separadas para cada um desses pares, porém relacionadas:

 

  • um modelo para a operação e organização para o objeto esperado pelo Cliente (Produto);
  • e um modelo para a operação e organização  para o instrumento capaz de obter o Produto, bem como obter o objeto esperado pelo Acionista (Benefícios de toda espécie, Lucros)

Mapa geral das operações na disposição SSS

Modelagem para uma organização incluindo o objeto esperado de interesse do Cliente
e o instrumento capaz de obtê-lo, e também o objeto esperado de interesse do Acionista
identificando o nexo da produção

Argumento: a modelagem de operações
organizada pelo par sujeito-objeto

Construção da estrutura de operações na disposição SSS – Simétrica, Simbiótica e Sinérgica

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Cronologia básica da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura ocidental entre os anos 1775-1825 segundo Michel Foucault.

  • fases e ponto de ruptura desse evento;
  • linha de tempo com as defasagens entre conquistas no pensamento e respectivo uso nas áreas técnicas;
  • alguns autores importantes de um e de outro lado desse evento;
  • ponto de entrada do homem em nossa cultura;
  • alguns autores citados como referências em modelos sociais, econômicos e políticos
Michel Foucault
1926-1984

“E foi realmente necessário 
um acontecimento fundamental
– um dos mais radicais, sem dúvida, 1
que ocorreram na cultura ocidental,
para que se desfizesse a positividade do saber clássico
e se constituísse uma positividade de que, por certo,
não saímos inteiramente.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
tópico I. A idade da história

Cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
defasagens entre conquistas no pensamento filosófico e respectiva utilização prática

cronologia básica da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

A descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, segundo o pensamento de Michel Foucault
uma linha de tempo mostrando os intervalos de tempo entre o desenvolvimento de conhecimento e sua aplicação prática

O ponto de surgimento do homem em nossa cultura

 “É somente na segunda fase que as palavras, as classes e as riquezas adquirirão um modo de ser que não é mais compatível com o da representação.

Em contra partida, o que se modifica muito cedo, desde as análises de Adam Smith, de A.-L. de Jussieu ou de Viq d’Azyr, na época de Jones ou de Anquetil-Duperron,

  • é a configuração das positividades: a maneira como, no interior de cada uma,
    • os elementos representativos funcionam uns em relação aos outros, 
    • a maneira como asseguram seu duplo papel de designação e de articulação, 
    • como chegam, pelo jogo das comparações, a estabelecer uma ordem. “

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap.VII – Os limites da representação
tópico I. A idade da história

Datas e fases da descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, e surgimento do homem no pensamento em nossa cultura segundo o pensamento de Michel Foucault.

Alguns autores fundamentos filosóficos do liberalismo, e autores chave do pensamento moderno posicionados em relação à descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Algumas personagens importantes para entendimento da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Michel Foucault ao delinear sua arqueologia das ciências humanas, propósito do ‘As palavras e as coisas’, com certeza tomou conhecimento do trabalho desses autores.

  • autores clássicos:
    • Adam Smith,
    • John Locke, 
    • David Hume, 
    • J. J. Rousseau, 
    • Jeremy Bentham, 
    • e J. M. Keynes (este, expressamente classificado por Foucault como não moderno)
  • autores modernos:
    • David Ricardo
    • Sigmund Schlomo Freud 
    • entre muitos outros.

Michel Foucault menciona ainda em destaque, como artífices do pensamento moderno e fontes para o seu próprio pensamento:

  • Georges Cuvier, naturalista, 1769-1832
  • Franz Bopp, linguista, 1792-1867
  • David Ricardo, economista, 1772-1823

Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
do pensamento
funcionamento das operações no pensamento clássico
Modelo de
Operação de produção
relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
e o sistema Input-Output
do LE da figura.
Modelo da 
Organização de produção
Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
múltiplos sistemas de categorias
Modelo de operações
e de organização
Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
Modelo de  Operação
contábil-financeira
O modelo de operação
no sistema contábil-financeiro
Modelo da  Organização
ponto de vista financeiro
a organização no sistema contábil-financeiro

Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
de operação do pensamento
O funcionamento das operações no pensamento moderno
Modelo de
Operação de produção
relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’
Modelo da 
Organização de produção
o modelo de organização ‘Mapa da atividade semicondutores’, da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
instanciamento de representação
O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
do movimento Reengenharia

O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

Assim, estes três pares,

  • função e norma,
  • conflito e regra,
  • significação e sistema,

cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

  • do nível da psicologia,
  • da sociologia
  • ou da análise das linguagens

é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

  • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 III. Os três modelos
Michel Foucault 

O Triedro dos saberes: eixos e faces
espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
O interior ao Triedro dos saberes
o espaço das Ciências humanas

Aquém do objeto

Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

  • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
existem desde sempre e para sempre,
e integram o Universo em uma visão única.

Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

Diante do objeto

No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

  • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

  • Ciências da vida (Biologia):


    função-norma
    ;

  • Ciências do trabalho (Economia):


    conflito-regra;

  • Ciências da Linguagem (Filologia):

    significação-sistema.

Além do objeto

No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

  • da Vida-(Biologia),
  • do Trabalho-(Economia)
  • e da Linguagem-(Filologia).

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

  • Ciências da vida  (Biologia):
    função-norma;

    +
    Ciências do trabalho (Economia):

    conflito-regra;
    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    significação-sistema.

Sob ciências humanas como:

  • economia política;
  • sociologia,
  • psicologia e psicanálise

estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

A descrição feita por Michel Foucault de duas possibilidades
de posicionamento do pensamento com relação a valor

“Valor, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisição finalmente se produzam.

Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor; e, contudo, o valor só existe no interior da representação (atual ou possível), isto é, no interior da troca ou da permutabilidade.

Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

  1. uma analisa o valor no ato mesmo da troca, no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
  2. outra analisa-o como anterior à troca e como condição primeira para que esta ossa ocorrer.

Os dois pontos de partida distintos adotados pelo pensamento para análise de valor

1. a primeira possibilidade de leitura

A análise de valor no ato mesmo da troca,
no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido

2. a segunda possibilidade de leitura

A análise de valor como anterior à troca
e como condição primeira para que esta possa ocorrer.

A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da proposição;

  • no [neste] primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tomando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

a outra, [corresponde] a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das designações primitivas – linguagem de ação ou raiz(*);

  • na outra [nesta] forma de análise, a linguagem está enraizada fora de si mesma e como que na natureza ou nas analogias das coisas; a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.

Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho do Instanciamento da representação

Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento clássico, antes de 1775

Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho da Construção da representação

II. Ricardo

Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico II - Ricardo

David Ricardo, 1772-1823

David Ricardo (Londres18 de Abril de 1772 — Gatcombe Park11 de setembro de 1823) foi um economista e político britânico – um dos mais influentes economistas clássicos, ao lado de Thomas MalthusAdam Smith e James Mill.[1] Ricardo e sua família tem origens sefarditas que remontam a Holanda e Portugal.[2]

Na análise de Adam Smith, 

o trabalho devia seu privilégio ao poder que se lhe reconhecia de estabelecer entre os valores das coisas uma medida constante:

permitia fazer equivaler na troca objetos de necessidade cujo aferimento de outro modo teria sido exposto à mudança ou submetido a uma essencial relatividade. 

No entanto, só podia assumir tal papel à custa de uma condição: 

era preciso supor que

  • a quantidade de trabalho indispensável para produzir uma coisa fosse igual 
  • à quantidade de trabalho que essa coisa, em retorno, pudesse comprar no processo de troca.

Ora, como justificar essa identidade, em que fundá-Ia a não ser sobre uma certa assimilação, admitida na sombra mais que esclarecida, entre 

    • o trabalho como atividade de produção 
    • e o trabalho como mercadoria que se pode comprar e vender? 

Nesse segundo sentido, ele não pode ser utilizado como medida constante, pois “experimenta tantas variações quanto as mercadorias ou bens com os quais pode ser comparado”(1). 

Essa confusão, em Adam Smith, tinha sua origem no primado concedido à representação: 

  • toda mercadoria representava certo trabalho, 
  • e todo trabalho podia representar certa quantidade de mercadoria. 

A atividade dos homens e o valor das coisas comunicavam-se no elemento transparente da representação.

É aí que a análise de Ricardo encontra seu lugar
e a razão de sua importância decisiva.
Ela não é a primeira a organizar
um lugar importante para o trabalho no jogo da economia; mas faz explodir a unidade da noção,
e distingue, pela primeira vez,
de uma forma radical, 

  • essa força, esse esforço, esse tempo do operário que se compram e se vendem, 
  • e essa atividade que está na origem do valor das coisas. 

Ter-se-á pois, 

  • por um lado, o trabalho que os operários oferecem, que os empresários aceitam ou demandam e que é retribuído pelos salários; 
  • por outro, ter-se-á o trabalho que extrai os metais, produz os bens, fabrica os objetos, transporta as mercadorias e forma assim valores permutáveis que antes dele não existiam e sem ele não teriam aparecido. 

Certamente, para Ricardo como para Smith, o trabalho pode realmente medir a equivalência das mercadorias que passam pelo circuito das trocas: 

“Na infância das sociedades, o valor permutável das coisas ou a regra que fixa a quantidade que se deve dar de um objeto por outro só depende da quantidade comparativa de trabalho que foi empregada na produção de cada um deles.”(2) 

A diferença, porém, entre Smith e Ricardo está no seguinte: 

  • para o primeiro, o trabalho, porque analisável em jornadas de subsistência, pode servir de unidade comum a todas as outras mercadorias (de que fazem parte os próprios bens necessários à subsistência); 
  • para o segundo, a quantidade de trabalho permite fixar o valor de uma coisa,
    • não apenas porque este seja representável em unidades de trabalho, 
    • mas primeiro e fundamentalmente porque o trabalho como atividade de produção é “a fonte de todo valor”. 

Já não pode este ser definido, como na idade clássica, a partir do sistema total de equivalências e da capacidade que podem ter as mercadorias de se representarem umas às outras. 

O valor deixou de ser signo,
tornou-se um produto. 

Se as coisas valem tanto quanto o trabalho que a elas se consagrou, ou se, pelo menos, seu valor está em proporção a esse trabalho, 

  • não é porque o trabalho seja um valor fixo, constante e permutável todos os céus e em todos os tempos, 
  • mas sim porque todo valor, qualquer que seja, extrai sua origem do trabalho.

E a melhor prova disso está em que 

  • o valor das coisas aumenta com a quantidade de trabalho que lhes temos de consagrar se as quisermos produzir; 
  • porém não muda com o aumento ou baixa dos salários pelos quais o trabalho se troca como qualquer outra mercadoria(3). 

Circulando nos mercados, trocando-se uns por outros, os valores realmente têm ainda um poder de representação. Extraem esse poder, porém, de outra parte – desse trabalho mais primitivo e radical do que toda representação e que, portanto, não pode definir-se pela troca. 

  • Enquanto no pensamento clássico o comércio e a troca servem de base insuperável para a análise das riquezas (e isso mesmo ainda em Adam Smith, para quem a divisão do trabalho é comandada pelos critérios da permuta), 
  • desde Ricardo, a possibilidade da troca está assentada no trabalho;
    • e a teoria da produção, 
    • doravante, deverá sempre preceder a da circulação. 

Daí, três consequências que importa reter. 

A primeira é a instauração de uma série causal cuja forma é radicalmente nova. 

No século XVIII, não se ignorava, de modo algum, o jogo das determinações econômicas: explicava-se como a moeda podia dissipar-se ou afluir, os preços subirem ou baixarem, a produção crescer, estagnar ou diminuir; mas todos esses movimentos eram definidos a partir de um espaço em quadro onde os valores se podiam representar uns aos outros; os preços aumentavam quando os elementos representantes cresciam mais depressa que os elementos representados; a produção diminuía quando os instrumentos de representação diminuíam em relação às coisas a serem representadas etc. Tratava-se sempre de uma causalidade circular e de superfície, pois que não concernia jamais senão aos poderes recíprocos do analisando e do analisado. 

A partir de Ricardo, o trabalho, desnivelado em relação à representação, e instalando-se em uma região onde ela não tem mais domínio, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria. 

A quantidade de trabalho necessária para a fabricação de uma coisa (ou para sua colheita, ou para seu transporte) e que determina seu valor depende das formas de produção: segundo o grau de divisão no trabalho, a quantidade e a natureza dos instrumentos, o volume de capital de que dispõe o empresário e o que ele investiu nas instalações de sua fábrica, a produção será modificada; em certos casos será dispendiosa; em outros, o será menos(4). Mas, como em todos os casos, esse custo (salários, capital e rendimentos, lucros) é determinado pelo trabalho já efetuado e aplicado a essa nova produção, vê-se nascer uma grande série linear e homogênea que é a da produção. Todo trabalho tem um resultado que, sob uma forma ou outra, é aplicado a um novo trabalho cujo custo ele define; e esse novo trabalho, por sua vez, entra na formação de um valor etc. Essa acumulação em série rompe pela primeira vez com as determinações recíprocas, as únicas que atuavam na análise clássica das riquezas. Introduz, por isso mesmo, a possibilidade de um tempo histórico contínuo, ainda que de fato, como veremos, Ricardo só pense na evolução futura sob a forma de um afrouxamento e, em última análise, de uma suspensão total da história. 

Ao nível das condições de possibilidade do pensamento, Ricardo, ao dissociar formação e representatividade do valor, permitiu a articulação da economia com a história. 

As “riquezas”, em vez de se distribuírem num quadro e de constituírem assim um sistema de equivalência, organizam-se e se acumulam numa cadeia temporal: todo valor se determina não segundo os instrumentos que permitem analisá-lo, mas segundo as condições de produção que o fizeram nascer; e, mais ainda, essas condições são determinadas por quantidades de trabalho aplicadas para produzi-Ias. Antes mesmo que a reflexão econômica estivesse ligada à história dos acontecimentos ou das sociedades num discurso explícito, a historicidade penetrou, e por longo tempo sem dúvida, o modo de ser da economia. Esta, em sua positividade, não está mais ligada a um espaço simultâneo de diferenças e de identidades, mas ao tempo de produções sucessivas. 

Quanto à segunda conseqüência, não menos decisiva, diz respeito à noção de raridade. 

Para a análise clássica, a raridade era definida em relação à necessidade: admitia-se que a raridade se acentuava ou se deslocava na medida em que as necessidades aumentavam ou tomavam formas novas; para os que têm fome, raridade do trigo; para os ricos que frequentam a sociedade, raridade do diamante. Quanto a essa raridade, os economistas do século XVIII – quer fossem fisiocratas quer não – pensavam que a terra, ou o trabalho da terra, permitia superá-Ia, ao menos em parte: é que a terra tem a maravilhosa propriedade de poder cobrir necessidades bem mais numerosas do que aquelas dos homens que a cultivam. 

No pensamento clássico,

há raridade porque os homens se representam objetos que não possuem; 

mas há riqueza porque a terra produz, com certa abundância, objetos que não são logo consumidos e que podem então representar outros nas trocas e na circulação. 

Ricardo inverte os termos dessa análise: 

a aparente generosidade da terra só é de fato devida à sua avareza crescente; 

e o que é primeiro não é a necessidade e a representação da necessidade no espírito dos homens, 

é pura e simplesmente uma carência originária. 

Com efeito, o trabalho – isto é, a atividade econômica só apareceu na história do mundo no dia em que os homens se acharam numerosos demais para poderem nutrir-se dos frutos espontâneos da terra. Não tendo com que subsistir, alguns morriam e muitos outros estariam mortos se não se pusessem a trabalhar a terra. E, na medida em que a população se multiplicava, novas faixas da floresta deviam ser abatidas, desbravadas e cultivadas. A cada instante de sua história, a humanidade só trabalha sob a ameaça da morte: toda população, se não encontra novos recursos, está fadada a extinguir-se; e inversamente, à medida que os homens se multiplicam, empreendem trabalhos mais numerosos, mais longínquos, mais difíceis, menos imediatamente fecundos. Como a pendência da morte se faz mais temível à proporção que as subsistências necessárias se tornam de mais difícil acesso, o trabalho, inversamente, deve crescer em intensidade e utilizar todos os meios de se tomar mais prolífico. Assim, o que torna a economia possível e necessária é uma perpétua e fundamental situação de raridade: em face de uma natureza que por si mesma é inerte e, salvo numa parte minúscula, estéril, o homem arrisca sua vida. 

Não é mais nos jogos da representação que a economia encontra seu princípio, mas do lado dessa região perigosa onde a vida afronta a morte. Ela remete, pois, a essa ordem de considerações bastante ambíguas a que se pode chamar antropológicas: reporta-se, com efeito, às propriedades biológicas de uma espécie humana, acerca da qual Malthus, na mesma época que Ricardo, mostrou que tende sempre a crescer caso não se lhe traga remédio ou coerção; reporta-se também à situação desses seres vivos que se arriscam a não encontrar na natureza que os rodeia aquilo com que assegurar sua existência; ela designa enfim o trabalho e a dureza mesma desse trabalho como o único meio de negar a carência fundamental e triunfar por um instante sobre a morte. A positividade da economia se aloja nesse vão antropológico. 

O Homo oeconomicus não é aquele que se representa suas próprias necessidades bem como os objetos capazes de as saciar; é aquele que passa, usa e perde sua vida escapando da iminência da morte. É um ser finito: e assim como, desde Kant, a questão da atitude se tornou mais fundamental que a análise das representações (já não podendo esta ser senão derivada em relação àquela), desde Ricardo a economia repousa, de maneira mais ou menos explícita, numa antropologia que tenta atribuir à finitude formas concretas. 

A economia do século XVIII estava relacionada a uma máthêsis como ciência geral de todas as ordens possíveis; a do século XIX está referida a uma antropologia como discurso sobre a finitude natural do homem. 

Por isso mesmo, a necessidade e o desejo retiram-se para o lado da esfera subjetiva – para essa região que, na mesma época, está em via de se tomar o objeto da psicologia. 

É lá, precisamente, que, na segunda metade do século XIX, os marginalistas irão buscar a noção de utilidade. Julgar-se-á então que Condillac, ou Graslin, ou Fortbonnais, “já” eram “psicologistas”, visto que analisavam o valor a partir da necessidade; e, do mesmo modo, julgar-se-á que os fisiocratas foram os primeiros antepassados de uma economia que, desde Ricardo, analisou o valor a partir dos custos de produção. 

De fato, ter-se-á saído da configuração que tornava simultaneamente possíveis Quesnay e Condillac; terse-á escapado ao reino dessa epistémê que assentava o conhecimento na ordem das representações; e ter-se-á entrado em outra disposição epistemológica, a que distingue, não sem referi-Ias uma à outra, uma psicologia das necessidades representadas e uma antropologia da finitude natural. 

Enfim, a última conseqüência concerne à evolução da economia. 

Ricardo mostra que não se deve interpretar como fecundidade da natureza o que marca, e de uma forma sempre mais insistente, sua essencial avareza. 

A renda fundiária, na qual todos os economistas, até o próprio Adam Smith(5), viam o signo de uma fecundidade própria à terra, só existe na medida exata em que o trabalho agrícola se toma cada vez mais duro, cada vez menos “rentável”. 

À medida que se é compelido, pelo crescimento ininterrupto da população, a desbravar terras menos fecundas, a colheita dessas novas unidades de trigo exige mais trabalho: seja porque os cultivos devam ser mais profundos, seja porque a superfície semeada deva ser mais vasta, seja porque se necessite de mais adubo; o custo da produção é portanto muito mais elevado para estas últimas colheitas do que para as primeiras, que foram obtidas, na origem, em terras ricas e fecundas. Ora, esses bens, tão difíceis de obter, não são menos indispensáveis que os outros, se não se quiser que certa parte da humanidade morra de fome. 

É, portanto, o custo de uma produção de trigo em terras mais estéreis que determinará o preço do trigo em geral, mesmo se foi obtido com duas ou três vezes menos trabalho. 

Daí, para as terras fáceis de cultivar, um aumento de beneficio, que permite a seus proprietários arrendá-Ias retirando antecipadamente um importante rendimento. A renda fundiária é o efeito não de uma natureza prolífica, mas de uma terra avara. Ora, essa avareza não cessa de tornar-se cada dia mais sensível: a população, com efeito, se desenvolve; começa-se a lavrar terras cada vez mais pobres; os custos de produção aumentam; aumentam os preços agrícolas e com eles as rendas fundiárias. 

Sob essa pressão, é bem possível – necessário mesmo – que também o salário nominal dos operários comece a crescer a fim de cobrir as despesas mínimas de subsistência; mas, por essa mesma razão, o salário real não poderá praticamente elevar-se acima do que é indispensável para que o operário se vista, se aloje e se alimente. 

E, finalmente, o lucro dos empresários baixará na medida mesma em que a renda fundiária aumentar e em que a retribuição operária permanecer fixa. Baixaria mesmo indefinidamente a ponto de desaparecer, se não se caminhasse para um limite; com efeito, a partir de certo momento os lucros industriais serão demasiado baixos para que se faça trabalhar novos operários; na falta de salários suplementares, a mão-de-obra não poderá mais crescer, a população ficará estagnada; não será necessário desbravar novas terras ainda mais infecundas que as precedentes: a renda fundiária atingir seu teto e não exercerá mais sua costumeira pressão sobre os rendimentos industriais, que poderão então se estabilizar. 

A História enfim se tornará estanque. 

A finitude do homem será definida – de uma vez por todas, isto é, por um tempo indefinido

Paradoxalmente, é a historicidade introduzida na economia por Ricardo que permite pensar essa imobilização da História. 

O pensamento clássico concebia para a economia um futuro sempre aberto e sempre cambiante; mas tratava-se, de fato, de uma modificação de tipo espacial: o quadro que, pensava-se, as riquezas formavam ao se desenvolverem, e ao serem trocadas e ordenadas, podia muito bem ampliar-se permanecia, porém, o mesmo quadro, cada elemento perdendo um pouco de sua superfície relativa mas entrando em relação com novos elementos. 

Em contrapartida, é o tempo cumulativo da população e da produção, é a história ininterrupta da raridade que, a partir do século XIX, permite pensar o empobrecimento da História, sua inércia progressiva, sua petrificação e, dentro em breve, sua imobilidade rochosa. 

Vê-se que papel a História e a antropologia desempenham uma em relação à outra. Só há história (trabalho, produção, acumulação e crescimento dos custos reais) na medida em que o homem como ser natural é finito: finitude que se prolonga muito além dos limites primitivos da espécie e das necessidades imediatas do corpo, mas que não cessa de acompanhar, ao menos em surdina, todo o desenvolvimento das civilizações. 

Quanto mais o homem se instala no cerne do mundo, quanto mais avança na posse da natureza, tanto mais fortemente também é acossado pela finitude, tanto mais se aproxima de sua própria morte. 

A História não permite ao homem evadir-se de seus limites iniciais – salvo na aparência e se se der ao limite o sentido mais superficial; se se considerar, porém, a finitude fundamental do homem, perceber-se-á que sua situação antropológica não cessa de dramatizar cada vez mais sua História, de torná-Ia mais perigosa e de aproximá-Ia, por assim dizer, de sua própria impossibilidade. 

No momento em que toca tais confins, a História só pode deter-se, vibrar um instante sobre seu eixo e imobilizar-se para sempre. 

Mas isso pode produzir-se de dois modos: 

  • seja porque ela alcance progressivamente, e com uma lentidão sempre mais acentuada, um estado de estabilidade que sanciona, no indefinido do tempo, aquilo para o que ela sempre marchou, aquilo que no fundo de si ela jamais cessou de ser desde o começo; 
  • seja porque, ao contrário, ela atinja um ponto de reversão onde só se fixa na medida em que suprime o que continuamente fora até então.

Na primeira solução (representada pelo “pessimismo” de Ricardo), 

a História funciona ante as determinações antropológicas como uma espécie de grande mecanismo compensador; 

  • aloja-se, é certo, na finitude humana, mas aí aparece à maneira de uma figura positiva e em relevo; 
  • permite ao homem superar a raridade a que está votado. 

Como essa carência se torna cada dia mais rigorosa, o trabalho se torna mais intenso; 

  • a produção aumenta em cifras absolutas, 
  • mas, ao mesmo tempo que ela e no mesmo movimento, também os custos de produção – isto é, as quantidades de trabalho necessário para produzir um mesmo objeto. 

De sorte que deverá inevitavelmente chegar um momento em que o trabalho não é mais sustentado pela mercadoria que ele produz (não custando esta mais que o alimento do operário que a obtém). 

A produção não pode mais preencher a falta. 

Então, 

  • a raridade vai limitar-se ela própria (por uma estabilização demográfica) 
  • e o trabalho vai ajustar-se exatamente às necessidades (por uma repartição determinada das riquezas). 

Doravante, a finitude e a produção vão superpor-se exatamente numa figura única. Todo labor suplementar seria inútil; todo excedente de população pereceria. A vida e a morte serão assim colocadas exatamente uma contra a outra, superfície contra superfície, imobilizadas e como que reforçadas ambas por seu impulso antagonista. 

A História terá conduzido a finitude do homem até esse ponto-limite em que ela aparecerá enfim em sua pureza; 

  • já não terá margem que lhe permita escapar-se a si mesma, nem esforço a fazer para forjar um porvir, nem novas terras abertas a homens futuros; 
  • sob a grande erosão da História, o homem será pouco a pouco despojado de tudo o que pode escondê-lo a seus próprios olhos; 
  • terá exaurido todas essas possibilidades que confundem um pouco e esquivam sob as promessas do tempo sua nudez antropológica; 
  • por longos caminhos, mas inevitáveis e constringentes, a História terá conduzido o homem até essa verdade que o detém sobre si mesmo. 

Na segunda solução (representada por Marx), 

a relação da História com a finitude antropológica é decifrada segundo a direção inversa. 

A História desempenha então um papel negativo: 

  • é ela, com efeito, que acentua as pressões da necessidade, que faz crescer as carências, coagindo os homens a trabalhar e a produzir sempre mais, sem receberem mais do que o que lhes é indispensável para viver, e algumas vezes um pouco menos. 
  • De sorte que, com o tempo, o produto do trabalho se acumula, escapando sem trégua àqueles que o executam:
    • estes produzem infinitamente mais do que essa parte do valor que lhes cabe sob forma de salário 
    • e dão assim ao capital a possibilidade de novamente comprar trabalho. 

Assim cresce sem cessar o número daqueles que a História mantém nos limites de suas condições de existência; 

  • e, por isso mesmo, essas condições não cessam de tomar-se mais precárias e de aproximar-se do que tornará a própria existência impossível; 
  • a acumulação do capital, 
  • o crescimento das empresas e de sua capacidade, 
  • a pressão constante sobre os salários, 
  • o excesso da produção 
  • reduzem o mercado de trabalho, diminuindo sua retribuição e aumentando o desemprego. 

Repelida pela miséria aos confins da morte, toda uma classe de homens faz, como que a nu, a experiência do que sejam a necessidade, a fome e o trabalho. 

  • No que os outros atribuem à natureza ou à ordem espontânea das coisas, 
  • eles sabem reconhecer o resultado de uma história e a alienação de uma finitude que não tem essa forma. 

É essa verdade da essência humana que eles podem, por essa razão – e que só eles podem – reassumir a fim de a restaurar. O que só poderá ser obtido pela supressão ou, ao menos, pela reversão da História tal como ela se desenrolou até o presente: somente então começará um tempo que não terá mais nem a mesma forma, nem as mesmas leis, nem a mesma forma de transcorrer. 

Mas, sem dúvida, pouco importa a alternativa entre o “pessimismo” de Ricardo e a promessa revolucionária de Marx. Tal sistema de opções nada mais representa senão duas maneiras possíveis de percorrer as relações entre a antropologia e a História, tais como a economia as instaura através das noções de raridade e de trabalho. 

Para Ricardo, 

  • a História preenche o vão disposto pela finitude antropológica e manifestado por uma perpétua carência, 
  • até o momento em que seja atingido o ponto de uma estabilização definitiva; 

segundo a leitura marxista, 

  • a História, espoliando o homem de seu trabalho, faz surgir em relevo a forma positiva de sua finitude – sua verdade material enfim liberada. 

Certamente, compreende-se sem dificuldade como, ao nível da opinião, as escolhas reais se distribuíram, porque alguns optaram pelo primeiro tipo de análise e outros pelo segundo. 

Mas trata-se somente de diferenças derivadas que procedem em tudo e por tudo de uma inquirição e de um tratamento doxológicos. 

No nível profundo do saber ocidental, o marxismo não introduziu nenhum corte real; 

alojou-se sem dificuldade, como uma figura plena, tranquila, confortável e, reconheça-se, satisfatória por um tempo (o seu), no interior de uma disposição epistemológica que o acolheu favoravelmente (pois foi ela justamente que lhe deu lugar) e que ele não tinha, em troca, nem o propósito de perturbar nem sobretudo o poder de alterar, por pouco que fosse, pois que repousava inteiramente sobre ela. 

O marxismo está no pensamento do século XIX como peixe n’ água: o que quer dizer que noutra parte qualquer deixa de respirar. 

Se ele se opõe às teorias “burguesas” da economia e se, nessa oposição, projeta contra elas uma reversão radical da História, esse conflito e esse projeto têm por condição de possibilidade não a retomada de toda a História nas mãos, mas um acontecimento que toda a arqueologia pode situar com precisão e que prescreveu simultaneamente, segundo o mesmo modo, a economia burguesa e a economia revolucionária do século XIX. 

Seus debates podem agitar algumas ondas e desenhar sulcos na superfície: são tempestades num copo d’ água. O essencial é que, no começo do século XIX, constituiu-se uma disposição do saber em que figuram, a um tempo, 

  • a historicidade da economia (em relação com as formas de produção), 
  • a finitude da existência humana (em relação com a raridade e o trabalho) 
  • e o aprazamento de um fim da História – quer por afrouxamento indevido quer por reversão radical. 

História, antropologia e suspensão do devir se pertencem segundo uma figura que define para o pensamento do século XIX uma de suas redes maiores. 

Sabe-se, por exemplo, que papel essa disposição desempenhou para reanimar a boa vontade fatigada dos humanismos; sabe-se de que modo fez renascer as utopias de um acabamento. 

No pensamento clássico, a utopia funcionava antes como um devaneio de origem: 

é que o frescor do mundo devia assegurar o desdobramento ideal de um quadro onde cada coisa estaria presente em seu lugar, com suas vizinhanças, suas diferenças próprias, suas equivalências imediatas; 

nessa luz primeira, as representações não deviam ser ainda destacadas da viva, aguda e sensível presença daquilo que elas representam. 

No século XIX, a utopia concerne ao crepúsculo do tempo mais que à sua aurora: 

é que o saber não é mais constituído ao modo do quadro, mas ao da série, do encadeamento e do devir; 

quando vier, com a noite prometida, a sombra do desenlace, a erosão lenta ou a violência da História fará realçar, em sua imobilidade rochosa, a verdade antropológica do homem; 

o tempo dos calendários poderá certamente continuar; 

mas será como que vazio, pois a historicidade se terá superposto exatamente à essência humana. 

O escoar do devir, com todos os seus recursos de drama, de olvido, de alienação, será captado numa finitude antropológica que aí encontra em troca sua manifestação iluminada. 

A finitude com sua verdade se dá no tempo; e, desde logo, o tempo é finito. 

O grande devaneio de um termo da História é a utopia dos pensamentos causais, 

como o sonho das origens era a utopia dos pensamentos classificadores. 

Essa disposição foi por longo tempo constringente; e, no fim do século XIX, Nietzsche a fez cintilar uma última vez, incendiando-a. 

Retomou o fim dos tempos para dele fazer a morte de Deus e a errância do último homem; retomou a finitude antropológica, mas para fazer fulgir o arremesso prodigioso do super-homem; retomou a grande cadeia contínua da História, mas para curvá-Ia no infinito do retorno. 

A morte de Deus, a iminência do super-homem, a promessa e o terror do grande ano se esforçam em vão por retomar, como que termo a termo, os elementos que se dispõem no pensamento do século XIX e formam sua rede arqueológica, mas não é menos certo que inflamam todas essas formas estáveis, desenham com seus restos calcinados rostos estranhos, impossíveis talvez; 

e, a uma luz de que não se sabe ainda ao certo 

  • se reaviva o último incêndio 
  • ou se indica a aurora, 

vê-se abrir o que pode ser o espaço do pensamento contemporâneo. 

Foi Nietzsche, em todo o caso, que queimou para nós, e antes mesmo que tivéssemos nascido, as promessas mescladas da dialética e da antropologia.

 

I. As novas empiricidades

Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico I - As novas empiricidades

Eis que nos adiantamos
bem para além do acontecimento histórico que se impunha situar
– bem para além das margens cronológicas
dessa ruptura que divide, em sua profundidade,
a epistémê do mundo ocidental
e isola para nós o começo
de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades. 

É que o pensamento que nos é contemporâneo
e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
se acha ainda muito dominado 

pela impossibilidade,
trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
de fundar as sínteses no espaço da representação 

e pela obrigação
correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
de abrir o campo transcendental da subjetividade
e de constituir inversamente,
para além do objeto,
esses “quase-transcendentais” que são para nós
a Vida, o Trabalho, a Linguagem. 

Para fazer surgir 

  • essa obrigação 
  • e essa impossibilidade 

na aspereza de sua irrupção histórica, 

  • era preciso deixar a análise correr ao longo de todo o pensamento que encontra sua fonte em semelhante abertura; 
  • era preciso que tal intento reduplicasse apressadamente o destino ou o pendor do pensamento moderno para atingir finalmente seu ponto de declínio: 

esta claridade de hoje, ainda pálida mas talvez decisiva, que nos permite, se não contornar por inteiro, ao menos dominar fragmentariamente e ter um pouco sob controle aquilo que, desse pensamento formado no limiar da idade moderna, chega ainda até nós, nos investe e serve de solo contínuo ao nosso discurso. 

Entretanto, a outra metade do acontecimento – a mais importante sem dúvida – pois ela concerne em seu ser mesmo, em seu enraizamento, às positividades sobre as quais se arraigam nossos conhecimentos empíricos – ficou em suspenso; e é ela que é preciso agora analisar. 

Numa primeira fase 

– a que cronologicamente se estende de 1775 a 1795 e cuja configuração se pode designar através das obras de Smith, de Jussieu e de Wilkins – os conceitos de trabalho, de organismo e de sistema gramatical foram introduzidos – ou reintroduzidos com um estatuto singular – na análise das representações e no espaço tabular onde esta até então se desenrolava. 

Sem dúvida, sua função era ainda somente autorizar essa análise, permitir o estabelecimento das identidades e das diferenças, e fornecer o instrumento – como a medida qualitativa – de uma ordenação. 

Todavia, 

  • nem o trabalho, 
  • nem o sistema gramatical, 
  • nem a organização viva 

podiam ser definidos ou assegurados pelo simples jogo da representação se decompondo, se analisando, se recompondo e assim representando-se a si mesma numa pura reduplicação; o espaço da análise não podia, pois, deixar de perder sua autonomia. 

O quadro, doravante, deixando de ser o lugar de todas as ordens possíveis, a matriz de todas as relações, a forma de distribuição de todos os seres em sua individualidade singular, já não constitui para o saber senão uma fina película de superfície; 

  • as vizinhanças que ele manifesta, 
  • as identidades elementares que circunscreve e cuja repetição é por ele mostrada, 
  • as semelhanças que desprende e expõe, 
  • as constâncias que permite percorrer, 

nada mais são que os efeitos de certas sínteses, ou organizações, ou sistemas 

que residem muito além de todas as repartições que se podem ordenar a partir do visível. 

A ordem que se dá ao olhar, com o quadriculado permanente de suas distinções, não é mais que uma cintilação superficial por sobre uma profundeza. 

O espaço do saber ocidental acha-se agora prestes a balançar: 

  • a taxinomia 

cuja grande camada universal se estendia em correlação com a possibilidade de uma máthêsis e que constituía o tempo forte do saber – ao mesmo tempo sua possibilidade primeira e o termo de sua perfeição – 

vai ordenar-se segundo uma verticalidade obscura: 

esta definirá a lei das semelhanças, prescreverá as vizinhanças e as descontinuidades, fundará as disposições perceptíveis e desviará todos os grandes desdobramentos horizontais da taxinomia para a região um pouco acessória das consequências. 

Assim, a cultura européia inventa para si uma profundeza em que 

  • a questão não será mais a das identidades, dos caracteres distintivos, das plataformas permanentes com todos os seus caminhos e percursos possíveis, 
  • mas a das grandes forças ocultas desenvolvidas a partir de seu núcleo primitivo e inacessível, 
  • mas a da origem, da causalidade e da história. 

Doravante, as coisas só virão à representação do fundo dessa espessura recolhida em si, emaranhadas talvez e tornadas mais sombrias por sua obscuridade, porém fortemente enlaçadas a si mesmas, reunidas ou divididas, agrupadas sem recurso pelo vigor que lá, naquele fundo, se oculta. 

As figuras visíveis, seus liames, os brancos que as isolam e contornam seu perfil

não mais se oferecerão a nosso olhar
senão totalmente compostos,
já articulados
nessa noite subterrânea que as fomenta com o tempo. 

Então – e esta é a outra fase do acontecimento – 

o saber, em sua positividade, muda de natureza e de forma. 

Seria falso – sobretudo insuficiente – atribuir essa mutação 

  • à descoberta de objetos ainda desconhecidos como o sistema gramatical do sânscrito, 
  • ou a relação, no ser vivo, entre as disposições anatômicas e os planos funcionais, 
  • ou ainda o papel econômico do capital. 

Nem seria mais exato imaginar que 

  • a gramática geral tornou-se filologia, 
  • a história natural, biologia, 
  • e a análise das riquezas, economia política, 

porque todos esses modos de conhecimento retificaram seus métodos, se acercaram mais de perto do seu objeto, racionalizaram seus conceitos, escolheram melhores modelos de formalização – em suma, porque se teriam desprendido de sua pré-história por uma espécie de auto-análise da própria razão. 

O que mudou, na curva do século,
e sofreu uma alteração irreparável
foi o próprio saber
como modo de ser prévio e indiviso
entre o sujeito que conhece
e o objeto do conhecimento; 

  • se se começa a estudar o custo da produção, e não mais se utiliza a situação ideal e primitiva da permuta para analisar a formação do valor, é porque, ao nível arqueológico,
    • a produção como figura fundamental no espaço do saber 
    • substituiu-se à troca, 
  • fazendo aparecer,
    • por um lado, novos objetos cognoscíveis (como o capital) 
    • e prescrevendo, por outro, novos conceitos e novos métodos (como a análise das formas de produção). 

Do mesmo modo, 

  • se se estuda, a partir de Cuvier, a organização interna dos seres vivos, e se, para tanto, se utilizam métodos da anatomia comparada, é porque
    • a Vida, como forma fundamental do saber, fez aparecer novos objetos
      • (como a relação do caráter com a função) 
      • e novos métodos ( como a busca das analogias). 

Enfim, 

  • se Grimm e Bopp tentam definir as leis da alternância vocálica ou da mutação das consoantes, é porque
    • o Discurso como modo do saber veio a ser substituído pela Linguagem, que define objetos até então inaparentes
      • (famílias de línguas em que os sistemas gramaticais são análogos) 
      • e prescreve métodos que não haviam ainda sido empregados (análise das regras de transformação das consoantes e das vogais). 

A produção, a vida, a linguagem
– não se devem buscar aí
objetos que se tivessem,
como que por seu próprio peso
e sob o efeito de uma insistência autônoma,
imposto do exterior a um conhecimento
que durante um tempo por demais longo
os negligenciara;
também não se devem ver aí
conceitos construídos pouco a pouco,
graças a novos métodos,
através do progresso de ciências
que marcham em direção
à sua racionalidade própria. 
Trata-se de modos fundamentais do saber
que suportam em sua unidade sem fissura
a correlação segunda e derivada
de ciências e de técnicas novas
com objetos inéditos. 

A constituição desses modos fundamentais está sem dúvida enterrada longe, na espessura das camadas arqueológicas: é possível, contudo, descortinar alguns dos seus sinais através das obras 

  • de Ricardo para a economia
  • de Cuvier para a biologia
  • de Bopp para a filologia.

5. História do nascimento do livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’, contada por Michel Foucault

Uma história do nascimento do livro 'As palavras e as coisas',
contada pelo próprio autor, Michel Foucault, no Prefácio,
inclusive o relato das dificuldades enfrentadas.

1 - A ideia que deu origem ao livro
'As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas

No Prefácio do ‘As palavras e as coisas’, Michel Foucault faz como que um quadro sinóptico do livro inteiro mencionando conceitos importantes; a história do nascimento do ‘As palavras e as coisas’ contada por Foucault no Prefácio começa com uma exposição sobre o que ele chama de ‘familiaridades’ do pensamento, diz ele que “do nosso: daquele que tem a nossa idade e a nossa geografia” que seriam abaladas pelo mágico texto de uma certa enciclopédia chinesa.

Fizemos uma animação de 7:27m na qual na mesma figura representamos esse pensamento ao qual Foucault se refere como sendo o nosso, aquele com a nossa idade e geografia, e um outro pensamento com o qual também estamos familiarizados até pela circunstância de uma contaminação de entendimentos historicamente distintos.

A animação mostra ao mesmo tempo em que o texto prossegue as diferenças, estruturalmente o que se ganha o perde com uma ou outra dessas configurações.

O texto dessa história do nascimento desse livro começa alertando para os perigos da desordem – para além daquela do incongruente e da aproximação do que não convém -, a desordem da utilização simultânea de múltiplas ordens parecidas mas a tal ponto diferentes que torna-se impossível encontrar-lhes um espaço de acolhimento, definir por baixo de umas e outras, um lugar comum. (*)

Há no relato completo dessa história do Prefácio:(**)

  • o conceito de ordem: duas alternativas distintas;
  • uma série de comentários sobre os referenciais do pensamento – Utopia e Heterotopia – em dois casos diferentes de configurações do pensamento;
  • as duas sintaxes envolvidas nas configurações do pensamento;
    • a que permite a construção das frases
    • e a que autoriza a manter juntas, ao lado e em frente umas das outras, as palavras e as coisas;

O entendimento desses conceitos abordados na historia do nascimento do livro no Prefácio depende da compreensão das duas leituras possíveis para o fenômeno ‘operações’ e respectivas análises de valor, e a influência delas nos dois princípios para trabalho coexistentes entre nós.

(*) na animação que fizemos para navegar entre o texto de Foucault no Prefácio e as formulações que temos de modelos de operações e de organizações, há um exemplo de modelo de organização bastante representativo dessa utilização de múltiplas ordens parecidas.

(**) Nessa pequena história do nascimento do ‘As palavras e as coisas’ Foucault se utiliza dos conceitos de ordem e de sintaxes. Mas no livro estão ainda os conceitos de Verbo, de Classificar, História, os Espaços Gerais do Saber, respectivamente para as configurações do pensamento – aquele com o qual queiramos ou não pensamos, e o anterior a este. Veja esses conceitos duplos aqui.

1. Plataforma adotada para exposição de ideias

A plataforma visual adotada para exposição das imagens feitas para ilustrar os conceitos

A Figura 2 - Diagrama ontológico ou O explicar e a experiência, de Maturana
esquadrinhamento da figura com comentários e propostas de alterações
usando o pensamento de Michel Foucault

a plataforma adotada para dar suporte às figuras ou imagens correspondentes aos conceitos encontrados no livro ‘As palavras e as coisas’ será

  • a Figura 2 – Diagrama ontológico; do tópico Reflexões epistemológicas, do livro Cognição, Ciência e Vida cotidiana; 

ou ainda essencialmente a mesma figura, com as observações sobre diferenças

  • a Figura 2 – O Explicar e a Experiência; do Cap. Linguagem, Emoções e Ética nos Afazeres Políticos, do livro Emoções e Linguagem na Educação e na Política;

ambos esses dois livros de Humberto Maturana, 

Vamos utilizar essa figura – com as alterações –  como plataforma para o trânsito de e para (ida e volta): 

Texto ↔ Imagem ↔ Ocorrências espacio-temporais 

seguindo a orientação de Flusser . 

E fizemos alterações e complementações nela, o que pode ser visto em outra animação neste trabalho.

0. Influências e inspirações

0. Influências e inspirações

1 a influência de Vilém Flusser no livro ‘Filosofia da caixa preta’: 

uso das funções reversíveis Imaginação e Conceituação para navegar, ida e volta, entre 

textos ↔ imagens ↔ e ocorrências espacio-temporais; 

e ainda, não menos importante

    • as imagens tradicionais, as imagens técnicas, as classes de abstrações que usamos cotidianamente;
Vilém-Flusser-Portrait-008
Vilém Flusser
1920-1991

2 as sugestões de Humberto Maturana nos livros: Cognição, Ciência e Vida cotidiana; Emoções e Linguagem na Educação e na Política; ‘De máquinas e de seres vivos’:

objeções e propostas de mudança feitas por Maturana ao fazer dos pesquisadores em IA do MIT do final dos anos ’50, aceitação de algumas das críticas feitas, e aparentemente, uma alteração de rota;

Humberto Maturana
1928-

3 a influência especialmente muito forte de Michel Foucault no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’:

a descoberta de duas pedras de tropeço durante seu trabalho nesse livro, a saber:

    • uma impossibilidade (ainda em nossos dias) de fundar as sínteses no espaço da representação, presente no nosso pensamento cotidiano;
    • e uma obrigação de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida(Biologia), Trabalho(Economia) e Linguagem(Filologia).
Michel Foucault
1926-1984
 
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espaço para discussão de conceitos

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Michel Foucault 1926-1984

A percepção da contaminação do pensamento com o qual pensamos, pela impossibilidade de fundar as sínteses na representação

“Eis que nos adiantamos bem para além
do acontecimento histórico que se impunha situar
– bem para além das margens cronológicas
dessa ruptura que divide, em sua profundidade,
a epistémê do mundo ocidental
e isola para nós o começo
de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades.

É que o pensamento que nos é contemporâneo
e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
se acha ainda muito dominado
pela impossibilidade,
trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
de fundar as sínteses no espaço da representação
e pela obrigação
correlativa, simultânea,

mas logo dividida contra si mesma,
de abrir o campo transcendental da subjetividade
e de constituir inversamente,
para além do objeto,
esses “quase-transcendentais” que são para nós
a Vida, o Trabalho, a Linguagem.”

A nova forma de reflexão se instaura no pensamento em nossa cultura, o motor constituinte “dessa maneira moderna de conhecer empiricidades”

“Instaura-se um tipo de reflexão
bastante afastado do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
tópico I. As novas empiricidades

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. IX – O homem e seus duplos ;
tópico V – O “cogito” e o impensado.

  • a impossibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé clássica.
  • essa impossibilidade de fundar as sínteses implica na seleção da visão de ‘operações’ e análise de valor no exato ponto de cruzamento entre o dado e o recebido, e para a primeira possibilidade de análise de valor. 
  • a possibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé moderna.
  • essa possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação implica em uma visão de ‘operações’ e análise de valor antes do ponto de cruzamento acima, o que leva o modelo para a segunda possibilidade de análise de valor.
  • essa forma de reflexão que se instaura no pensamento em nossa cultura exige duas coisas: 
    • o ‘ser do homem’;
    • o impensado e sua contrapartida no espaço da representação

a percepção  dessa contaminação, dominação mesmo,
do pensamento com o qual ‘queiramos ou não‘ pensamos,
– hoje em dia, e aqui e agora –
por configurações de pensamento
com a possibilidade, e também
com impossibilidade
de fundar as sínteses – da empiricidade objeto – 
no espaço da representação
muda completamente os domínios e os lugares onde ocorrem as operações,
 as paletas de ideias ou elementos de imagem, assim como as estruturas e os relacionamentos entre eles.

A primeira pedra de tropeço
no caminho de Michel Foucault
comparações feitas por Foucault de diferentes configurações de pensamento
Uma operação, de pensamento, de produção, etc. com a paleta de ideias e a estrutura do pensamento moderno, de depois da descontinuidade epistemológica ocorrida no período 1775-1825, segundo Michel Foucault

Há diferentes modelos
que formulamos para 
visões de ocorrências 
no espaço-tempo x, y, z e t.

Ao suspeitar
da contaminação do pensamento
– do nosso, daquele com o qual queiramos ou não pensamos –
por essa impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, ele manifesta sua percepção de que de fato isso acontece em volta de nós e conosco.

Esses modelos,
diferentes em seus fundamentos,
são usados juntos
e/ou simultaneamente
no mesmo domínio e ambiente 
em um pensamento
contaminado
por duas epistemologias,
ou por duas maneiras
de conhecer
aquilo que dizemos
que conhecemos.

Existem modelos,
todos em uso atualmente,
que podem ser agrupados
em duas famílias:

  • aqueles com a possibilidade
  • e aqueles com a impossibilidade 

 de fundar as sínteses
 – da empiricidade objeto da operação-
no espaço da representação.

Essa a distinção entre modelos
  com e modelos sem essa possibilidade
de fundar as sínteses
[da empiricidade objeto da operação]
no espaço da representação,
que Michel Foucault faz sugere que analisemos os modelos de operações e de organizações existentes, isto é, nos modelos que usamos hoje, em busca de características de características, ou características de segunda ordem, pelas quais podem ser associados com o pensamento antes, depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825, oferecendo os necessários elementos para identificação.

A figura na coluna do meio acima mostra a configuração do pensamento (o clássico,  de antes de 1775), com a impossibilidade de fundar as sínteses (da(s) empiricidade(s) objeto da operação) no espaço da representação.

Clicando nessa figura, a animação mostrará as alterações em toda a configuração do pensamento, para levantar essa impossibilidade.

A alteração se passa no lado direito da figura. 

A primeira coisa que muda é o tipo de reflexão que se instaura. 

Como decorrência, muda toda a paleta de ideias, ou elementos de imagem; 

Muda ainda o perfil do pensamento em cada configuração: 

  • o referencial
      • a ordem pela ordem
      • dá lugar à utopia do não articulado;
  • os princípios organizadores
      • que eram Caráter e Similitude
      • passam a ser Analogia e Sucessão;
  • e os métodos,
      • que eram identidade e semelhança
      • passam a ser Análise e Síntese.

Lista de posts

II. Ricardo

Capítulo VIII – Trabalho, vida e linguagem; tópico II – Ricardo David Ricardo, 1772-1823 David Ricardo (Londres, 18 de Abril de 1772 — Gatcombe Park, 11 de setembro de 1823) foi um economista e

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I. As novas empiricidades

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Samuel R. de Mello

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dez (10) pontos para contextualização entre Prefácio e texto do livro
'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'

1. A Forma de Reflexão que se instaura em nossa cultura
2. Proposição: o bloco padrão genérico e fundamental
para construção de representações
3. Princípios organizadores do pensamento de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
4. O Conceito de verbo no pensamento clássico,
o de antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
5. O conceito de verbo no pensamento moderno, o de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
6. As duas sintaxes mencionadas por Foucault no Prefácio
6.1 A sintaxe que autoriza a construção das frases
6.2 A sintaxe que autoriza manter juntas
as palavras e as coisas
7. O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith,
de 1776
8. O princípio dual de trabalho de David Ricardo,
de 1817
8.1 A importância de David Ricardo,

Nosso roteiro (Michel Foucault) e nossa inspiração (Humberto Maturana)

Influências e inspirações

1 a influência de Vilém Flusser no livro ‘Filosofia da caixa preta’: 

uso das funções reversíveis Imaginação e Conceituação para navegar, ida e volta, entre 

textos ↔ imagens ↔ e ocorrências espacio-temporais; 

e ainda, não menos importante

    • as imagens tradicionais, as imagens técnicas, as classes de abstrações que usamos cotidianamente;
Vilém-Flusser-Portrait-008
Vilém Flusser
1920-1991

2 as sugestões de Humberto Maturana nos livros: Cognição, Ciência e Vida cotidiana; Emoções e Linguagem na Educação e na Política; ‘De máquinas e de seres vivos’:

objeções e propostas de mudança feitas por Maturana ao fazer dos pesquisadores em IA do MIT do final dos anos ’50, aceitação de algumas das críticas feitas, e aparentemente, uma alteração de rota;

Humberto Maturana
1928-

3 a influência especialmente muito forte de Michel Foucault no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’:

a descoberta de duas pedras de tropeço durante seu trabalho nesse livro, a saber:

    • uma impossibilidade (ainda em nossos dias) de fundar as sínteses no espaço da representação, presente no nosso pensamento cotidiano;
    • e uma obrigação de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida(Biologia), Trabalho(Economia) e Linguagem(Filologia).
Michel Foucault
1926-1984

 

A Figura 2 original de Maturana

Figura 2 – Diagrama ontológico; Reflexões epistemológicas, do livro Cognição, Ciência e Vida cotidiana;
pi Figura 2 – O explicar e a experiência; Linguagem, Emoções e Ética nos Afazeres Politicos,
do livro Emoções e Linguagem na Educação e na Política

Esquadrinhamento da Figura 2 de Maturana para ajustes

A Figura 2 – Diagrama ontológico ou O explicar e a experiência, de Maturana 
esquadrinhamento da figura com comentários e propostas de alterações
usando o pensamento de Michel Foucault

 

O circuito ida e volta possibilitado por funções
Imaginação e Conceituação reversíveis

classes de abstrações:
Graus da abstração;
Dimensões próprias a cada caso

Roteiro e inspiração

 

  • Estar na linguagem segundo Humberto Maturana

    Estar na linguagem é uma coordenação de coordenações consensuais de ações

  • Pedra fundamental do pensamento de Maturana no início do seu trabalho

    A pedra fundamental do pensamento de Humberto Maturana

HM foto 1

Humberto Maturana Romesin
1928 –

  • Um salto para fora do cartesianismo

    Salto para fora do cartesianismo: Vilém Flusser em Pensamento e Reflexão

  • As imagens tradicionais

  • As imagens técnicas, as construídas por aparelhos

    Imagem técnica – aquele tipo de imagem produzida por um aparelho.

vilem

Vilém Flusser
1920-1991

Fale conosco

O sistema SIPOC/FEPSC

O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

- História, modo de ser fundamental das empiricidades,
. o Circuito das trocas e o Lugar de nascimento do que é empírico
. Pensamento conservador e pensamento progressista

Posição relativa do par sujeito-objeto e o modelo de operações

Aquém 

história como sucessão de fatos
tais como se sucederam

História como sucessão de fatos tais como se sucederam

Diante e Além

história como alterações no ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades

História como mudança no 'modo de ser fundamental'

Duas possibilidades de leitura de operações;
duas origens de valor (interna e externa na linguagem) para representações

Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes - duas abrangências muito diferentes

Ciência e Tecnologia dependem da Filosofia e são funções das ferramentas de pensamento de que dispõe a configuração do pensamento utilizada em sua geração.

Os três movimentos do pensamento segundo Vilém Flusser

Usando o pensamento de Vilém Flusser:

  • Pensamento é um transformador do duvidoso em língua;
  • Filosofia, ou Reflexão, é texto produzido pelo pensamento ao voltar-se contra si mesmo para corrigir-se e renovar-se.
  • ciência, como o resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo, para compreendê-lo, é texto filosófico aplicado. 
  • e tecnologia, como resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo para modificá-lo, é texto científico aplicado; 

Descontinuidades epistemológicas refletem conquistas humanas no pensamento e são aprimoramentos na maneira que usamos para conhecer.  Há portanto uma relação entre, de um lado, o modo como colocamos em marcha nosso desejo de transformar o duvidoso em língua a cada nível, e de outro lado, a filosofia que temos, e a Ciência que temos, ou a tecnologia de que dispomos. Filosofia, Ciência e Tecnologia são funções do como como vemos o mundo e as coisas.

Michel Foucault (*) descreve uma descontinuidade epistemológica (uma alteração no modo como nos voltamos para o mundo para conhecer o que dizemos que conhecemos), e aponta com toda clareza diferentes jogos de ferramentas de pensamento ou estruturas conceituais, características de uma e de outra dessas epistemologias, de um e de outro lado desse evento. E aponta um período em nossa cultura ocidental, em que o pensamento esteve dominado por uma característica do período anterior.

A solução de questões trazidas à luz por essa nova maneira de conhecer (a nova epistemologia) não poderão ser resolvidas se correspondentes ciência e tecnologia não forem desenvolvidas também.

Pensamento conservador e progressista

Acompanhando o trabalho arqueológico de Michel Foucault em direção a essa classe especial de saberes, a esse conjunto de discursos chamado de ciências humanas, vê-se que em certo período consolidou-se um tipo de pensamento em cuja configuração a etapa de construção de novas representações foi incorporada. Antes disso, essa etapa de construção da representação nova ficava fora do escopo do pensamento, e depois disso essa etapa permaneceu definitivamente incorporada.

Para a configuração de pensamento que deixa fora do seu escopo a etapa de construção de novas representações a alternativa é conviver com tudo o que existe desde sempre e para sempre, tomando as coisas como pré-existentes e pertencentes ao Universo. Esse modo de pensar tem características de conservadorismo, enquanto aquela outra configuração do pensamento que inclui em seu escopo a geração de novas representações, as características de progressismo.

Neste trabalho algumas – bastantes – características de uma e de outra dessas duas características de configurações do pensamento foram apresentadas o que de certa forma pode ser usado para qualificar com algo mais do que a qualidade ‘conservador’ um pensamento de direita; e com a qualidade ‘progressista’ um pensamento de esquerda, delineando com mais precisão uma e outra dessas configurações.

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

Panorama visto desde meu posto de observação

É real hoje, aqui, agora, e entre nós, a percepção – feita por Foucault – do domínio/contaminação do pensamento – ‘com o qual queiramos ou não pensamos‘ – pela impossibilidade de fundar as sínteses (do pensamento sobre a empiricidade objeto da operação) no espaço da representação(*).

Esse tipo de pensamento dominante, aquele com a impossibilidade de fundar as sínteses, é ao mesmo tempo o tipo de pensamento que não inclui a operação de construção de novas representações. E a estrutura das operações sem essa etapa reforça essa impossibilidade. Nesse contexto modelos com e modelos sem essa impossibilidade são tratados como se variações sobre o mesmo tema fossem, e não produções do pensamento completamente diferentes.

Estamos projetando e usando hoje, modelos para operações e organizações, de produção e outras, com o pensamento de exatos dois séculos atrás.

Para que isso possa ser percebido pelo projetista de modelos em diversas áreas é necessário o rompimento das condições em que se dá essa contaminação e esse domínio de uma das configurações de pensamento sobre a outra, obliterando justamente aquela que corresponde a uma conquista humana no pensamento. Para que isso aconteça é necessário que seja atendido um requisito: a construção de um critério para identificação e comparação de modelos, e sua aplicação no caso presente.

Daqui de onde vejo as coisas, é unânime a visão das coisas em termos de processo. Ninguém fala de nada além de processos: mapeia-se processos, otimiza-se processos, etc. etc. o que quer que seja, mas sempre processos. Sem que nos demos conta de como sejam as diferentes estruturas das operações em que tais ‘processos’ ocupam posição operacional. 

Michel Foucault pode fornecer os elementos necessários para a construção desse critério. Nossa intenção aqui é destacar em Foucault o que pode ser usado para o estabelecimento de uma relação pensamento – e sua aplicação na modelagem de operações em organizações. 

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

Cronologia do evento fundador da nossa modernidade no pensamento;
linha de tempo com os períodos de contaminação do pensamento
por configurações diferentes.

uma cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
o evento fundador da nossa modernidade no pensamento
Linha de tempo das conquistas humanas no pensamento e respectiva utilização prática

Acoplamentos estruturais do sistema descrito no LD - o Explicar com Reformular: os internos e aqueles com o ambiente externo

Diante e para Além do objeto

Acoplamento estrutural interno:
condições de possibilidade
Acoplamento estrutural interno:
pontos de acoplamento
Acoplamento estrutural externo:
parcial quando há diferenças nas estruturas
  • os domínios do Operar – retângulo vermelho; e do Suporte ao operar – domínio amarelo, que compõem o ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ parte do ‘Explicar com ‘Reformular’ a empiricidade objeto, durante o caminho da Construção da representação, são exemplo do primeiro acoplamento interno. Acoplamento semelhante ocorre durante o caminho do Instanciamento da representação.(*)

     

  • há ainda acoplamentos externos ‘por cima’, lateralmente, e por baixo da estrutura no LD da figura nos dois caminhos o da Construção e o do Instanciamento. O acoplamento externo ‘por cima’ depende da estrutura com a qual se dará acopamento, e pode ser parcial.

Playground para projetistas de modelos: uma coleção de modelos de diversos tipos, para aplicação dos conceitos apresentados

Uma coleção com mais de duas dúzias de modelos, (*) para descobrir com que tipo de pensamento foram feitos:

  • se COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; ou
  • ou se SEM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação

(*) Proposta de metodologia para o planejamento e implantação de manufatura integrada por computador
de Bremer, C. F. USP SC fev 1995; entre outras fontes

Estruturas dos modelos, resultantes da utilização do referencial,dos princípios organizadores e dos métodos usados pelo pensamento, por segmento de modelos 

Aquém do objeto

Modelo de operações de Buffa e modelo de uma organização adaptado de Mauro Zilbovicius

Diante do objeto

Modelo de operações do Kanban e modelo de organização da Reengenharia

Além do objeto

Modelo de uma ciência humana Análise da produção como exemplo de qualquer outro modelo de ciência humana
Estrutura matricial – Quadro de categorias clássico. Utilização de várias ordens ligeiramente diferentes em um mesmo modelo de operações.
Estrutura hierárquica característica do objeto análogo composto substitutivo ao vislumbrado. Utilização de uma única ordem ao longo do modelo.
Mesmas características dos modelos para o segmento Diante do objeto, mas aqui, com um modelo constituinte combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.

O modelo 5W2H, de um lado, e de outro, o modelo de operações do Kanban
e o modelo proposto no LD da Figura 2: usos diferentes para as mesmas ideias
ou elementos de imagem envolvidos na formulação da proposição

Aquém do objeto

Diante e Além do objeto

Modelo Provision Workbench, da Proforma
Modelo de operações de produção do Kanban
Modelo proposto para 'uma certa maneira de conhecer empiricidades'

O exame dessas três figuras mostra que ideias, elementos de imagem, homônimos, podem ser usados de modo diferente em modelos feitos sob estruturas conceituais diferentes.

No modelo 5W e 2H no lado esquerdo acima, o destaque dado pelo losango em vermelho é nosso. Não estava na figura original. A figura é organizada por um sistema de categorias composto pelas 7 perguntas 5W2H. 

O modelo da produção do Kanban é sim-discriminativo com relação ao elemento componente do objeto da operação de produção, e é formulado como uma proposição instanciativa de um objeto previamente projetado, e portanto cuja representação foi anteriormente construída

O modelo de operações de construção de representação para empiricidade objeto (LD da figura) é feito calcado no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo; está evidenciada a formulação no formato de uma proposição. A origem de valor adotada está nas designações primitivas ( conjunto de operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites) e da linguagem de uso (o Repositório)

O pensamento de outros grandes pensadores:
John Dewey e seus dois modos de ver o mundo;
Ilya Prigogine e o conceito de caos para a ciência moderna

Diante do objeto

Ver [homem e experiência] e [natureza] vistos juntos
Os conceitos de caos, na ciência moderna;
e de Arte como a formulação com leis e eventos

As duas animações acima – a nosso ver – apenas mostram que tanto John Dewey na sua visão [homem] [experiência] e [natureza] juntos; quanto Ilya Prigogine  na sua visão do que seja caos na ciência moderna, estão pensando com uma configuração de pensamento COM a possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, o que não era comum para a ciência clássica, toda reversível.

Sistema Formulador

Aquém do objeto

Modelo relacional de dados do Microsoft Project 4.0

Diante do objeto

Módulo central do Sistema Formulador

O Sistema Formulador:

É um ante-projeto de um sistema para gestão de projetos com estrutura conceitual consistente com o pensamento moderno. 
O módulo principal do sistema é uma unidade lógica que relaciona entidades envolvidas na proposição enunciadora de operações, mantidas em banco de dados, e gera sistematicamente o modelo de operações. O Microsoft Project, então, importa o modelo gerado como se fosse próprio, e a gestão continua, agora com um modelo gramaticalmente correto e criteriosamente estruturado.

Este é um ante-projeto de um sistema de gestão COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; esse sistema pode evoluir para um sistema visual de gestão e outros aplicativos.

Destaque para dois modelos existentes:
1) LE, o SIPOC (FEPSC) do SixSigma; 2) LD e o Visão da PHD, da PHD Brasil
e no centro, as diferenças entre eles

Aquém do objeto

O diagrama FEPSC (SIPOC) mostrando a estrutura

diferenças

Comparação

Diante do objeto

A Visão da PHD

Comparação do modelo SIPOC ou FEPSC – SixSigma(*) com o modelo Visão da PHD(**) do ponto de vista das estruturas respectivas.
A animação central mostra o que falta – estruturalmente – ao SixSigma para ter a estrutura do modelo da direita.

(*) Gestão integrada de processos e da tecnologia da informação; capítulo Identificação, análise e melhoria de processos críticos Figura 3.1 Representação da FEPSC, de Roberto Gilioli Rotondaro
Coordenadores: Fernando José Barbin Laurindo e Roberto Gilioli Rotondaro, Editora Atlas, jan/2006
(**) A Visão da PHD, da empresa PHD Brasil

O mapa de operações de produção do Kanban;
e o mapa da organização segundo a Reengenharia

Diante do objeto

Modelo de operações
do Kanban

Modelo de operações do Kanban

Mapa da organização
segundo a Reengenharia

Mapa da Reengenharia (modificado) e comentado

Temos à esquerda, o modelo do Kanban com a referência (*) abaixo. e á direita, a Figura 7.1 do livro Reengenharia, referência (**) abaixo. São organizados sobre a proposição, e pertencem à configuração do pensamento moderno.  Você pode certificar-se  da veracidade dessas duas afirmativas neste ponto (17).

(*) Artigo ‘A comparison of Kanban and MRP concepts for the control of Repetitive Manufacturing Systems’ de:
James W. Rice da Western Kentucky University e Takeo Yoshikawa da Yolohama National University
(**) Reengenharia – revolucionando a empresa: em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência 
de Michael Hammer e James Champy

Exemplos de modelos existentes, e muito usados,
nas diferentes estruturas conceituais

Aquém do objeto

Diante do objeto

Modelos de: operação de produção; e organização típica
Modelos de: operação contábil/financeira e modelo de organização
Modelos de: operação de produção do Kanban; e modelo de organização da Reengenharia

Exemplos de modelos muito conhecidos para operações e para as organizações

  • operação: Operações de produção, de Elwood S. Buffa;
  • organização: adaptação de Organização típica.
  • operação: operação contábil financeira débito e crédito;
  • organização: Ativo, Passivo e Resultados.
  • operação: modelo do Kanban;
  • organização: mapa da reengenharia.

A proposição como o bloco construtivo padrão  (Lego)
fundamental para a construção de representações

Aquém do objeto

Proposição ausente
do sistema Input-Output

Diante do objeto

A proposição no caminho
da Construção da representação

Além do objeto

A proposição no caminho
do Instanciamento da Representação

‘A proposição é, para a linguagem,
o que a representação é para o pensamento:
sua forma ao mesmo tempo mais geral e mais elementar porquanto, desde que a decomponhamos, não encontraremos mais o discurso, mas seus elementos como tantos materiais dispersos.’(*)

“A língua é
a mais complexa,
a mais milagrosa,
a mais estranha,
a mais gigantesca e variada
invenção humana.” (**)

(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

 


(**) Frases de Millor Fernandes

Os dois conceitos para o que seja um verbo:
verbo Processo, e verbo Forma de produção

Aquém do objeto
verbo ‘Processo

Verbo tratado como Processo

Diante e Além do objeto
verbo ‘Forma de produção’

Verbo tratado como Forma de produção

“A única coisa que o verbo afirma
é a coexistência de duas representações; 
por exemplo
a do verde e da árvore,
a do homem e da existência ou da morte. 

É por isso que o tempo dos verbos
não indica aquele em que
as coisas aconteceram no absoluto, 
mas um sistema relativo  
de anterioridade
ou simultaneidade 
das coisas entre si.”
(*)

“O limiar da linguagem
está onde surge o verbo.
É preciso portanto 
tratar esse verbo como um ser misto, 
ao mesmo tempo palavra entre palavras,
preso às mesmas regras 
de regência
e de concordância;
e depois, em recuo em relação a elas todas, 
numa região que não é aquela do falado 
mas aquela donde se fala.
Ele está na orla do discurso, na juntura entre 
aquilo que é dito e aquilo que se diz; 
exatamente lá onde os signos 
estão em via de se tornar linguagem.
(*)

(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

Os dois conceitos para o que seja 'Classificar'

Aquém do objeto

Classificar como uma referência
do visível a si mesmo

Diante e Além do objeto

Classificar como uma referência
do visível ao invisível

Classificar é referir
o visível a si mesmo,
encarregando um dos elementos
de representar os outros.(*)

Classificar é referir
o visível ao invisível
– como a sua razão profunda –
e depois, alçar de novo dessa secreta arquitetura, em direção aos seus sinais manifestos, que são dados
à superfície dos corpos.
(*)


(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
cap. VII – Os limites da representação;
tópico III. A organização dos seres; sub-item 3

Os dois princípios filosóficos para o que seja de trabalho

Aquém do objeto
Adam Smith, de 1776(*)

Princípio monolítico de trabalho
de Adam Smith, de 1776

Diante e Além do objeto
David Ricardo, de 1817(**)

Princípio dual de trabalho
de David Ricardo, de 1817


As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas; 
(*) Capítulo VII – Os limites da representação;
tópico II. A medida do trabalho;


As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
(**) Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem;
tópico II. Ricardo

Elementos centrais em cada formulação por segmento do espectro

Aquém do objeto
PROCESSO

Diante do objeto
Forma de produção

Além do objeto
NEXO DA PRODUÇÃO

Processo: elemento central
no modelo de operação clássico
Forma de produção: elemento central
no modelo de operações moderno
Nexo da produção: resultante da visão
SSS da organização

Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais qualquer providência, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento (laboratório piloto, fábrica) com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar; tópico II. Gramática geral
Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; I. As novas empiricidades

Espaços Gerais do Saber
em cada segmento do espectro

Aquém do objeto

Diante do objeto

Além do objeto

Espaço Geral do Saber Clássico
Espaço Geral do Saber no pensamento Moderno
Espaço interior do Triedro do Saber

As mudanças nas configurações do pensamento promoveram reposicionamentos das positividades umas em relação às outras, resultando em três espaços gerais do saber.(*)

(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo III – Representar; tópico VI. Mathésis e Taxinomia;
Capítulo X – As ciências humanas; tópico I – O triedro dos saberes; 
de Michel Foucault

O tempo em cada uma das faixas do espectro;
e para as diferentes etapas das operações indicadas

Aquém
do objeto
qualquer operação

Diante 
do objeto
caminho da Construção 

Diante 
do objeto
caminho da Instanciamento

Tempo no LE, em qualquer operação no sistema Input-Output, sob o deus Chronos
Tempo LD, operação no caminho da Construção da representação,
sob o deus Kairós
Tempo LD, operação no caminho do Instanciamento da representação,
novamente sob o deus Chronos

Tempo, em cada um dos segmentos do espectro, muda:

  • aquém do objeto, na estrutura input-output sob o pensamento clássico, temos um tempo relativo, ou um tempo calendário, cujo deus é Chronos;
  • diante do objeto mas no caminho da Construção da representação, sob o pensamento filosófico moderno, temos um tempo absoluto, um tempo não-calendário, cujo deus é Kairós;
  • e ainda diante, e também além do objeto, tempos um tempo que volta a ser relativo, calendário, e a soberania volta a ser a de Chronos.

O espaço dado ao homem - 'naquilo que ele tem de empírico' -
na estrutura dos modelos

Aquém do objeto

Diante e Além do objeto

Sistema clássico de pensamento:
sem espaço em sua estrutura
para os dois papéis do homem.
Os dois papéis do homem
presentes e operativos na estrutura
d'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'

Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia. (…)
Sem dúvida,
as ciências naturais trataram do homem
como de uma espécie ou de um gênero.”

As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico II. O lugar do rei

‘Na medida, porém, em que as coisas giram sobre si mesmas, reclamando para seu devir não mais que o princípio de sua inteligibilidade e abandonando o espaço da representação, o homem, por seu turno, entra e pela primeira vez,
no campo do saber ocidental’ (*)

“O modo de ser do homem, tal como se constituiu no pensamento moderno, permite-lhe desempenhar dois papéis: está, ao mesmo tempo, 

  • no fundamento de todas as positividades,
  • presente, de uma forma
    que não se pode sequer dizer privilegiada,
    no elemento das coisas empíricas.” (**)

 (*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas; 
Prefácio

(**) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;  
Capítulo X – As ciências humanas;
I. O triedro dos saberes

Desenvolvimento das operações
por segmento do espectro de modelos

Aquém do objeto

Diante do objeto

Além do objeto

  • no sistema Input-Output; usando uma ordem arbitrariamente escolhida;
  • e com propriedades não-originais e não-constitutivas das coisas, as chamadas ‘aparências’;
  • No sistema correspondente ao que Foucault chama de ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’, que tem como elemento construtivo padrão fundamental a proposição, da qual herda as categorias de ideias ou elementos de imagem de primeiro nível;
  • e com propriedades sim-originais e sim-constitutivas daquilo que se constitui na existência em decorrência das operações.
  • No sistema formulado no campo das ciências humanas, com modelos constituintes compostos por uma combinação dos modelos constituintes das ciências que integram a região epistemológica fundamental, as ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.
  • Nexo da operação.

Veja mais detalhes nas animações que podem ser encontradas nas páginas de detalhe deste tópico.

Funcionamento do pensamento
em cada um dos segmentos desse espectro

Antes do objeto

Diante do objeto

Além do objeto

Operação no sistema Input-Output
sobre representações pré-existentes
Operação de construção de representação não existente no repositório
Operação de instanciamento de representação pré-existente no repositório

Paletas com o conjunto completo de ideias ou elementos de imagem necessários para a formulação das respectivas imagens das ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t ; incluindo relacionamentos entre esses elementos de imagem.(*)

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
tópico I. As novas empiricidades, de Michel Foucault

Estruturas de conceitos em cada ambiente de formulação identificado pela possibilidade ou pela impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação

Posição em relação ao par sujeito-objeto

Estrutura conceitual
para o pensamento clássico
Estrutura conceitual
para o pensamento moderno

Referencial:

  • Ordem pela ordem;

Princípios organizadores: 

  • Caráter e similitude;

Métodos:

  • Identidade e semelhança

Referencial:

  • Utopia;

Princípios organizadores: 

  • Analogia e Sucessão;

Métodos:

  • Análise e Síntese

‘Assim, estes três pares,
função-norma,
conflito-regra,
significação-sistema,

cobrem, por completo,
o domínio inteiro
do conhecimento do homem.'(*)

São essas as ferramentas de que se arma o pensamento – em cada segmento do espectro de modelos, para produzir as imagens que servem de mapas, para orientação na construção das representações.

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

Imaginação e Conceituação - funções humanas reversíveis:
Imagens tradicionais e Técnicas

Imagens tradicionais

Imagens técnicas

Classes de abstrações

As imagens tradicionais
Imagens técnicas, as imagens produzidas por aparelhos (computadores)
Classes de abstrações
  • Imaginação e Conceituação, funções humanas reversíveis que todos temos para codificar e decodificar imagens tradicionais e textos;
    • idolatria é o uso continuado de imagens que, quando decodificadas, não mais nos levam à visão da ocorrência no espaço-tempo x, y, z e t, isto é, imagens que não mais nos servem de guias para o mundo, mas de biombos;
    • textolatria é o uso continuado de textos que, quando decodificados, não mais nos levam às imagens que fizemos para as ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t
  • e as Imagens técnicas, especiais, aquelas imagens produzidas por aparelhos (computadores em destaque); as Imagens técnicas exigem, para seu entendimento, uma Conceituação especial.(*)

(*) Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia;
Capítulos I – A imagem; e II – A imagem técnica,
de Vilém Flusser 

Modelos constituintes de modelos
em cada uma das faixas desse espectro

Posição relativa modelo de operações - sujeito-objeto

Aquém

não há modelos constituintes nesse segmento do espectro, já que, pelos pressupostos adotados (Universo, realidade única) nada é constituído na existência em decorrência das operações feitas

Diante

modelo constituinte composto pelo par constituinte correspondente ao campo em que o modelo é formulado, tomados isoladamente em cada área: 

  • Vida (Biologia) –
    [função-norma]; 
  • Trabalho (Economia) –
    [conflito-regra]; 
  • Linguagem (Filologia)- [significação-sistema]

para Além

campo das Ciências Humanas com modelos constituintes formados por uma combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, tomados todos em conjunto em cada modelo, dada ênfase a uma das áreas das ciências da região epistemológica fundamental

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

 

O espectro de modelos, segundo essa possibilidade de sim-fundar, ou não-fundar, as sínteses no espaço da representação: Aquém, Diante e para Além do objeto - os segmentos do espectro de modelos de visões de ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t

O modo como Foucault descreve o problema que encontrou em seu trabalho pode ser mapeado em um espectro de modelos agrupados segundo os dois fatores por ele percebidos:  fator 1, com duas regiões quanto à fundação das sínteses na representação e com três regiões quanto à posição relativa ao objeto e ao sujeito: 
Aquém, Diante e para Além do objeto. 

Fundação das sínteses no espaço da representação

Impossibilidade

Possibilidade

Aquém

do objeto
(e do sujeito)

Diante

do objeto
(e do sujeito)

para Além

do objeto
(e do sujeito)

Fator 1 – o domínio/contaminação do pensamento com o uso simultâneo de configurações de pensamento 

  • com a  impossibilidade 
  • e também com a possibilidade,

de fundar as sínteses da representação da empiricidade objeto, no espaço da representação’; com duas regiões em um espectro de modelos:

Fator 2 – dar conta da obrigação correlativa (…) de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os “quase-transcendentais”

com as seguintes regiões no espectro de modelos:

 1. região do espectro: ‘Aquém do objeto’ (na impossibilidade);

 2. região do espectro: ‘Diante do objeto’ (na possibilidade)

    • da Vida, (Biologia) par constituinte função-norma
    • do Trabalho, (Economia) par conflito-regra
    • e da Linguagem. (Filologia) par significação-sistema

 3. região do espectro: ‘para Além do objeto’, (na possibilidade) e no campo das ciências humanas, no espaço interior do triedro dos saberes.

outra região no espectro de modelos, com modelo constituinte único composto dos três pares constituintes das três regiões epistemológicas fundamentais

- A pedra de tropeço no caminho de Michel Foucault e
- Os caminhos (e alterações de rota) de Maturana

Michel Foucault
1926-1984

“É que o pensamento que nos é contemporâneo e com o qual, queiramos ou não, pensamos, se acha ainda muito dominado 

  • pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII, de fundar as sínteses [da empiricidade objeto do pensamento] no espaço da representação;
  • e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
    de abrir o 
    campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, para além do objeto, esses “quase-transcendentais” que são para nós a Vida, o Trabalho, e a Linguagem.”  (*)
Humberto Maturana
1928-

“Substituir 

  • a noção de input-output 
  • pela de acoplamento estrutural 

foi um passo importante na boa direção por evitar a armadilha da linguagem clássica de fazer do organismo um sistema de processamento de informação.
(…) Contudo é uma formulação fraca por não propor uma alternativa construtiva e deixar a interação na bruma de uma simples perturbação. (…) Frequentemente se tem feito a crítica de que a autopoiese leva a uma posição solipsista. (**)

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico: I. As novas empiricidades
(**) De máquinas e de seres vivos: autopoiese – a organização do vivo; Prefácio à segunda edição; tópico Além da autopoiese; sub-tópico: Enacção e cognição, de Francisco José Garcia Varela

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Modelo descritivo da produção clássico

Paleta de ideias ou elementos de imagem
presentes na configuração de pensamento clássico

Paleta de ideias ou elementos de imagem presentes na
configuração de pensamento moderno caminho Construção